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segunda-feira, 12 de abril de 2010

A MALDIÇÃO DE MIDAS

A lembrança é vaga, quase esvanecida, quem sabe apenas resgatada de alguma página da Crestomatia. Vem-me à memória a história do rei Midas que, após acumular riquezas tantas com o toque dos dedos a transformar tudo em ouro e, não sabendo mais onde entesourar os seus haveres, acaba morrendo de fome por falta do que comer.
A chamada pós-modernidade prece ter aprendido com o lendário rei essa desventurada arte de transformar em riqueza tudo quanto se move à sua volta.
O resultado aí está. A fome bate à nossa porta.
Nada nos falta. O sonho dura pouco porque a ficção está sempre a um passo da realidade. E tudo ameaça se transformar em ouro.
Além disso, a mulher desassistida de beleza ainda consegue encontrar a fonte da juventude na farmácia ao lado. No mesmo estabelecimento, o homem recupera a virilidade encapsulada em drágeas miraculosas.
Tudo se movimenta em direção ao prazer, deixando uma trilha de sangue e de fome pelos caminhos da história.
Os carros voam. As distâncias já não se contam mais em velocidades terrestres.
Os oráculos da pós-modernidade a tudo respondem sem medo de errar e atendem pelo nome de Google de Yahoo ou de Microsoft.
São os deuses da polis tecnológica.
Mas essas divindades não sabem nos dar de comer.
A escassez de alimentos no mundo sempre foi um fenômeno previsível, desde os tempos de Malthus. Há regiões inóspitas no planeta dispondo de menos de 10% de seu território de condições agricultáveis. Outras sujeitas a situações climáticas tão hostis que a produção de alimentos vira luxo.
No Brasil, a falta de comida é insulto dobrado. Terra não falta. O clima é dádiva da natureza. E, no entanto, ainda se morre de fome na terra de Canaã.
Sobre essa paisagem de tragédia graciliana, um silêncio ainda mais agressivo estende a sua mortalha.
Os governantes fazem pose de Midas, tocando as rochas de onde brota o ouro negro, abraçando os canaviais de onde poreja a seiva milionária que se transforma em ouro inflamável.
E nenhum deles ensina a plantar.
Todos querem colher o ouro da terra.
Um dia, a humanidade terá fome e só encontrará lingotes de ouro para comer. Um dia, a humanidade sentirá sede e só lhe darão petróleo para beber.

‘Luiz Augusto Crispim’

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