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terça-feira, 14 de outubro de 2008

terça-feira, 16 de setembro de 2008

SOMOS TODOS PÓS MODERNOS?

A resposta é sim se comungamos essa angústia, essa frustração frente aos sonhos idílicos da modernidade. Quem diria que a revolução russa terminaria em gulags, a chinesa em capitalismo de Estado; e tantos partidos de esquerda assumiriam o poder como o violinista que pega o instrumento com a esquerda e toca com a direita?

Nenhum sistema filosófico resiste, hoje, à mercantilização da sociedade: A arte virou moda; a moda, improviso; o improviso, esperteza. As transgressões já não são exceções, e sim regras. O avanço da tecnologia, da informatização, da robótica, a gloogleatização da cultura, a telecelularização das relações humanas, a banalização da violência, são fatores que nos mergulham em atitudes e formas de pensar pessimistas e provocadoras, anárquicas e conservadoras.

Na pós-modernidade, o sistemático cede lugar ao fragmentário, o homogêneo ao plural, a teoria ao experimental. A razão delira, fantasia-se de cínica, baila ao ritmo dos jogos de linguagem. Nesse mar revolto, muitos se apegam às "irracionalidades" do passado, à religiosidade sem teologia, à xenofobia, ao consumismo desenfreado, às emoções sem perspectivas.

Para os pós-modernos a história findou, o lazer se reduz ao hedonismo, a filosofia a um conjunto de perguntas sem respostas. O que importa é a novidade. Já não se percebe a distinção entre urgente e importante, acidental e essencial, valores e oportunidades, efêmero e permanente.

A estética se faz esteticismo; importa o adorno, a moldura, e não a profundidade ou ao conteúdo. Ao pós-moderno é refém da exteriorização e dos estereótipos. Para ele, o agora é mais importante do que o depois.

Para o pós-moderno, a razão vira racionalização, já não há pensamento crítico; ele prefere, neste mundo conflitivo, ser espectador e não protagonista, observador e não participante, público e não ator.

O pós-moderno duvida de tudo. É cartesianamente ortodoxo. Por isso não crê em algo ou em alguém. Distancia-se da razão crítica criticando-a. Como a serpente Uroboros, ele morde a própria cauda. E se refugia no individualismo narcísico. Basta-se a si mesmo, indiferente à dimensão social da existência.

O pós-moderno tudo desconstrói. Seus postulados são ambíguos, desprovidos de raízes, invertebrados, sensitivos e apáticos. Ao jornalismo, prefere o shownalismo.

O discurso pós-moderno é labiríntico, descarta paradigmas e grandes narrativas, e em sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Felipe Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho.

O pós-modernismo não tem memória, abomina o ritual, o litúrgico, o mistério. Como considera toda paixão inútil, nem ri nem chora. Não há amor, há empatias. Sua visão de mundo deriva de cada subjetividade.

A ética da pós-modernidade detesta princípios universais. É a ética de ocasião, oportunidade, conveniência. Camaleônica, adapta-se a cada situação.

A pós-modernidade transforma a realidade em ficção e nos remete à caverna de Platão, onde nossas sombras têm mais importância do que o nosso ser, e as nossas imagens do que a existência real.


Frei Betto é autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.

sábado, 14 de junho de 2008

VIVER FACILMENTE

O melhor modo de viver de modo fácil e despreocupado é aquele do pensador: pois para dizer de improviso as coisas mais importantes, tem, sobretudo, necessidade das coisas que os outros desdenham e abandonam. – De resto, ele se alegra facilmente e desconhece os custosos meios de acesso ao prazer; seu trabalho não é duro, mas, de alguma forma, meridional; seus dias e suas noites não são estragadas, pelo remorso; ele se move, come, bebe e dorme, observando um comedimento que convém a seu espírito, para que este se torne sempre mais tranqüilo, forte e lúcido; seu corpo é para ele fonte de alegria e não tem nenhuma razão para temê-lo; não tem necessidade de companhia, a não ser de tempos em tempos, para em seguida abraçar com mais ternura ainda a sua solidão; os mortos têm para ele o lugar de vivos e até mesmo para substituir seus amigos, evocando entre os mortos os melhores que algum dia viveram. – Questionemos de uma vez, se não são os desejos e os hábitos opostos que tornam custosa a vida dos homens e, por conseguinte, penosa e muitas vezes insuportável. – Em outro sentido, no entanto, a vida do pensador é a mais custosa – nada é bom demais para ele; e ser privado precisamente do melhor seria para ele uma privação insuportável.

‘Friedrich Nietzsche’

ÚLTIMA DISCRIÇÃO

Há homens a quem ocorre a aventura dos caçadores de tesouros: descobrem por acaso Numa alma estranha as coisas guardadas em segredo e delas extraem um saber que muitas vezes é difícil de carregar! Em certas circunstancias, podemos conhecer os vivos e os mortos, ter a revelação da alma deles a ponto que se torna penoso explicar-nos diante dos outros: cada palavra nos deixa receosos de sermos indiscretos. – Eu poderia imaginar facilmente o historiador mais sábio tornando-se mudo de repente.

‘Friedrich Nietzsche’

SOB OS VENTOS DO SUL

Não me entendo mais! Ainda ontem, eu sentia em mim a tempestade, alguma coisa de quente e de ensolarado, extremamente claro. E hoje tudo é tranqüilo, vasto, melancólico e sombrio, como a laguna de Veneza: - não quero nada e não solto um suspiro de alivio e, contudo, estou secretamente indignado com esse “não querer nada”: - assim as ondas vão e vêm aqui e acolá no lago da minha melancolia.

‘Friedrisc Nietzsche’

POR QUE O PRÓXIMO SE TORNA PARA NÓS CADA VEZ MAIS DISTANTE

Quanto mais pensamos sobre tudo o que foi e tudo o que será, mais nos parece atenuado o que fortuitamente se encontra no presente. Se, vivemos; com mortos e morremos da morte deles, o que são então para nós os “próximos”? Nós nos tornamos mais solitários – e isso porque a onda inteira da humanidade ressoa em torno de nós. O ardor que queima em nós por tudo o que nos cerca como se tivesse tornado mais indiferente, mais semelhante a um fantasma – Mas a frieza do nosso olhar ofende!

‘Friedrich Nietzsche’

PERIGO NA INOCÊNCIA

Os inocentes são eternas vitimas, pois sua inocência os impede de distinguir entre a medida e o exagero, de se mostrarem a tempo prudentes diante de si mesmos. É assim que as jovens inocentes, isto é, ignorantes, se habituam a prazeres afrodisíacos freqüentes e, mais tarde, esses prazeres lhes fazem cruelmente falta quando os maridos adoecem ou envelhecem antes da idade; é justamente porque, cândidas e confiantes, imaginam que as relações freqüentes são a regra e um direito que elas são levadas a uma necessidade que as expõe mais tarde às tentações mais violentas e pior ainda. Mas, para se situar num ponto de vista mais geral e mais elevado: aquele que ama um ser humano ou uma coisa, sem conhecê-lo, torna-se presa de qualquer coisa de que não gostaria se pudesse vê-la. Por toda a parte onde a experiência, as precauções, os movimentos prudentes são necessários, o inocente sofre mais cruelmente, pois deve beber cegamente a borra e o veneno mais secreto de uma coisa. Consideremos as praticas de todos os príncipes, das igrejas, das seitas, dos partidos, das corporações: não se emprega sempre o inocente como isca preferida nos casos mais difíceis Neoptolemo para roubar o arco e as setas, dos partidos, das corporações: não se emprega sempre o inocente como isca preferida nos; casos mais difíceis e mais desacreditados? – Como Ulisses utiliza o inocente Neoptolemo para roubar o arco e as setas do velho eremita doente de Lemnos. – O cristianismo, com seu desprezo do mundo, fez da ignorância uma virtude, talvez porque o resultado mais freqüente dessa inocência parece ser, como o indiquei, a falta, o sentimento da falta, o desespero, portanto, uma virtude que leva ao céu pelo desvio do inferno: pois, somente então as sombras do portal da salvação cristã podem se abrir, somente então a promessa de uma segunda inocência póstuma se torna eficaz: - é uma das mais belas invenções do cristianismo!

‘Friedrich Nietzsche’

OS ÚNICOS CAMINHOS

“A dialética é o único caminho para chegar a ser divino, para chegar atrás do véu das aparências” – é o que Platão pretendia com tanta solenidade e paixão como Schopenhauer o pretendia, ao contrário, da dialética – e ambos estavam errados. De fato, aquilo cujo caminho querem indicar no existe de forma alguma. E todas as grandes paixões da humanidade não foram até hoje, como esta, paixões por um nada? E todas as suas solenidades – solenidades por um nada?

‘Friedrich Nietzsche’

OS TIRANOS DO ESPIRITO

A marcha da ciência já não é contrariada, como o foi durante muito tempo, pelo fato acidental de que o homem vida aproximadamente setenta anos. Outrora se pretendia chegar ao topo do conhecimento durante esse espaço de tempo e os métodos de conhecimento eram apreciados em função desse desejo universal. As pequenas questões e experiências especiais eram consideradas desprezáveis, buscava-se o caminho mais curto, acreditava-se, uma vez que todo esse mundo terreno parecia organizado em função do homem, que a perceptibilidade das coisas estava também adaptada a uma medida humana do tempo. Tudo resolver de imediato e com uma só palavra – esse era o desejo secreto: o problema era representado sob o aspecto do nó górdio ou do ovo de Colombo; estava-se persuadido que era possível, no domínio do conhecimento, atingir o objetivo, á maneira de Alexandre ou de Colombo e elucidar todas as questões com uma só resposta: “Há um enigma a resolver”: assim é que a vida se apresentava aos olhos do filosofo; era preciso primeiro encontrar o enigma e condensar o problema do mundo na formula mais simples. A Ambição sem limites e a alegrai de ser o “decifrador do mundo” preenchiam os sonhos do pensador; nada lhe parecia valer a pena neste mundo se não fosse encontrar o meio de tudo conduzir a bom termo para ele! A filosofia era assim uma espécie de luta suprema pela tirania do espírito – ninguém duvidava que esta não fosse reservada a alguém muito feliz, sutil, inventivo, audacioso e poderoso – a um só! – e muitos, o último entre eles Schopenhauer, imaginaram que eram esse só e único. – Disso resulta que, em resumo, a ciência ficou até agora para trás em conseqüência da estreiteza moral de seus discípulos e que doravante é preciso entregar-se a ela com uma idéia diretriz mais elevada e mais generosa. “Que importa eu!” – Isso é que se encontra gravado sobre a porta dos pensamentos futuros.

‘Friedrich Nietzsche’

O FILÓSOFO E A VELHICE

Não é sábio deixar que a tarde julgue o dia: pois com muita freqüência o cansaço se torna justiceiro da força, do sucesso e da boa vontade. Igualmente a mais extrema prudência deveria ser imposta à velhice e ao seu julgamento sobre a vida, visto que a velhice, precisamente como a tarde, gosta de manter as aparências de uma nova e sedutora moralidade e sabe humilhar o dia pelo vermelho de seu ocaso, seus crepúsculos, sua calma pacifica ou nostálgica. O respeito que testemunhamos ao velho, sobretudo se esse ancião é um velho pensador e um velho sábio, nos torna facilmente cegos a respeito do; envelhecimento do seu espírito e é sempre necessário colocar à luz os sintomas de semelhante envelhecimento e cansaço, isto é, mostrar o fenômeno fisiológico que esconde atrás do juízo e do preconceito moral, a fim de não nos tornarmos os tolos da piedade e de não prejudicar o conhecimento. De fato, não é raro que a ilusão de uma grande renovação moral e de uma regeneração se apodere do ancião e que, a partir desse sentimento, este emita, sobre a obra e o desenvolvimento da sua vida, juízos que poderiam levar a crer que acaba de chegar precisamente à clarividência: entretanto, a inspiradora desse bem-estar e desse juízo cheio de segurança não é a sabedoria, mas o cansaço. O sinal mais perigoso dessa fadiga é certamente a crença no gênio que geralmente não se apodera, senão a partir dessa idade da vida, dos grandes e semi-grandes homens do pensamento: a crença numa posição excepcional e em direitos excepcionais. O pensador que possui esse gênio se considera então livre para levar as coisas com superficialidade e decretar mais do que demonstrar, mas é provável que seja precisamente a necessidade dessa superficialidade que; comprove o cansaço do espírito, que é a principal fonte dessa crença, que a precede no tempo, embora não pareça. Alem disso, queremos usufruir nesse momento resultados de nossos pensamentos, em conformidade com a; necessidade de fruição comum a todos os cansados e a todos os anciãos; em lugar de examinar novamente esses resultados e recomeçar a semeá-los, temos necessidade para isso de prepará-los para um gosto novo, para torná-los comestíveis e tirar-lhes a secura, a frieza e a falta de sabor: é o que faz com que o velho pensador se eleve aparentemente acima da obra da sua vida, enquanto na realidade ele a estraga pela exaltação, pelas doçuras, pelos azedumes, pelo nevoeiro poético e pelas luzes místicas que lhe mistura. O que aconteceu a Platão foi o que acabou por acontecer a esse grande francês integro, ao lado do qual os alemães e ingleses deste século não podem colocar ninguém – ninguém como ele soube tomar e dominar as ciências exatas – Augusto Comte (filosofo francês – 1798-1857 – fundador do positivismo; dentre suas obras, Reorganizar a Sociedade e Discurso sobre o espírito positivo). Terceiro sintoma de cansaço: essa ambição que agitava o peito do grande pensador quando era jovem e que então não encontrava em parte alguma como satisfazer, essa ambição também envelheceu; como alguém que não tem mais nada a perder, ela se apodera dos meios de satisfação mais grosseiros e mais imediatos, isto é, aqueles das naturezas ativas, dominadoras, violentas, conquistadoras: a partir de então quer fundar instituições que levem o seu nome, em vez de fundar edifícios de idéias. Que lhe importam agora as vitórias e as honras etéreas no reino das demonstrações e das refundações! O que é para ele uma imortalidade pelos livros, uma euforia tumultuosa na alma de um leitor! Em compensação, a instituição é um templo – ele bem o sabe, e um templo de pedra, construído para durar, mantendo seu deus em vida muito mais seguramente que o sacrifício de almas ternas e raras. Talvez encontre também, nessa época, pela primeira vez esse amor que se dirige mais a um deus que a um homem, então todo o seu ser se acalma e se amolece aos raios desse sol, como um fruto no outono. Sim, ele se torna também mais divino e mais belo, o grande ancião – e é, apesar de tudo, a idade e a fadiga que lhe permitem amadurecer assim, torna-se silencioso e repousa na idolatria radiosa de uma mulher. Agora conseguiu fazer do seu antigo desejo altaneiro discípulos verdadeiros, desejo superior até mesmo a seu próprio eu, discípulos que seriam o verdadeiro prolongamento do seu pensamento, isto é, adversários: esse desejo tinha sua fonte numa força intacta, na altivez consciente e na certeza de poder tornar-se, ele também, a todo o momento, o adversário e o inimigo irreconciliável da sua própria doutrina – agora necessita de partidos resolutos, camaradas sem escrúpulos, arautos, um cortejo pomposo. Agora não é mais capaz de suportar o isolamento terrível em que vive todo o espírito que toma seu vôo sempre à frente dos outros, cerca-se a partir de então de objetos de veneração, de comunhão, de enternecimento e de amor, quer finalmente gozar dos mesmos privilégios que todos os homens religiosos e celebrar o que venera na comunidade; ira até o ponto de inventar uma religião para ter essa comunidade. É assim que vive o velho sábio e acaba por cair imperceptivelmente numa vizinhança tão aflitiva dos excessos clericais e poéticos que mal se ousa pensar em sua juventude sábia e severa, em sua rígida moralidade cerebral de então, em seu horror viril pelas iluminações súbitas e divagações. Outrora, quando se comparava com outros pensadores mais velhos, era para medir seriamente sua fraqueza em relação à força deles e para se tornar mais frio e mais livre com relação a si próprio: agora não se entrega mais a essa comparação a não ser para se embriagar com sua própria ilusão. Outrora pensava com confiança nos pensadores do futuro e via-se a si mesmo com deleite desaparecer um dia em sua luz mais brilhante: agora está atormentado pela idéia de não poder ser o último, pensa nos meios de impor aos homens, com a herança que lhes lega, uma limitação de seu pensamento soberano, receia e calunia a altivez e a sede de liberdade dos espíritos individuais; - depois dele, mais ninguém deve dar livre curso a seu intelecto; ele próprio quer ser para sempre o dique onde batem sem cessar as ondas do pensamento – esses são seus desejos muitas vezes secretos e nem sempre confessados! Mas a dura realidade quase esconde por trás desses desejos é que ele mesmo se deteve diante da sua doutrina, com ela traçou para si um limite, um “até aqui e não mais longe”. Canonizando-se, redigiu também a sua sentença de morte: daí em diante seu espírito não tem mais o direito de se desenvolver, seu tempo terminou, o ponteiro parou. Quando um grande pensador quer fazer de si mesmo uma instituição, cooptando a humanidade do futuro, pode-se admitir com certeza que ele além do apogeu da sua força, que está muito cansado e muito próximo do seu declínio.

‘Friedrich Nietzsche’

O EMBELEZAMENTO DA CIÊNCIA

Da mesma forma que a arte dos jardins rococó nasceu de sentimento: “a natureza é feia, selvagem, aborrecida – pois bem! vamos embelezá-la!” – igualmente nasceu do sentimento: “a ciência é feia, árida, desesperada, difícil, aborrecida – pois bem! vamos embelezá-la” – provoca sempre e de novo alguma coisa que se chama filosofia. Esta quer o que querem todas as artes e todas as obras poéticas: divertir, antes de qualquer outra coisa. Mas ela quer isso em conformidade com um orgulho hereditário, de uma maneira superior e mais sublime, diante dos espíritos de elite. Criar para ela uma arte dos jardins, cujo encanto principal seria, como para os espíritos “mais vulgares”, criar uma ilusão visual (por meio de templos, de perspectivas, de grutas, de labirintos, de cascatas, para utilizar metáforas), apresenta a ciência em resumo com todas as espécies de luzes maravilhosas e repentinas, incorporar nisso algo de bastante vago, de desrazão e de sonho, para que possamos ali passear “como na natureza selvagem”, mas sem custo e sem aborrecimento – esta não é uma ambição modesta: aquele que está possuído por ela, sonha mesmo em tornar supérflua a religião, religião que, para os homens de outrora, apresentava a forma suprema da arte do divertimento. – Doravante isso segue seu curso para atingir um dia o seu ponto culminante: já hoje começam a ser ouvidas vozes hostis à filosofia, vocês que gritam: “Retorno à ciência, à natureza e ao natural da ciência!” – anunciando talvez uma época que vai descobrir a beleza mais poderosa, justamente nas partes “selvagens e feias” da ciência, da mesma maneira que só depois de Rousseau nós descobrimos o sentido da beleza do alto das montanhas e dos desertos.

‘Friedrich Nietzsche’

NÓS, AERONAUTAS DO ESPÍRITO

Todas essas ousadas aves que voam para espaços distantes, sempre mais distantes – virá certamente um momento em que não poderão ir mais longe e vão pousar sobre um mastro ou sobre um árido recife – bem felizes ainda por encontrarem esse miserável refúgio! Mas quem teria o direito de concluir disso que diante delas não se abre uma imensa via livre e sem fim e que voaram para tão longe quanto é possível voar? Entretanto, todos os nossos grandes iniciadores e todos os nos precursores acabaram por parar e o gesto da fadiga que pára não é das atitudes mais nobres e mais graciosas: isso vai acontecer tanto para mim como para ti! Mas que me importa e que te importa! Outras aves voarão mais longe! Este pensamento, essa fé que nos anima, toma seu impulso, rivaliza com elas, voa sempre mais longe, mais alto, se lança diretamente para o ar, acima da nossa cabeça e da impotência da nossa cabeça e do alto do céu vê na imensidão do espaço; vê agrupamentos de aves bem mais poderosas que nós e que se lançaram na direção para a qual nos lançamos, onde tudo ainda é só mar, mar, e sempre mar! – para onde então queremos ir? Queremos ultrapassar o mar? Para onde nos arrasta essa poderosa paixão que para nós conta mais que qualquer outra paixão? Por que esse vôo perdido nessa direção, para o ponto até agora todos os sóis declinaram e se extinguiram? Dir-se-á talvez um dia que nós também, dirigindo-nos sempre para o oeste, esperávamos atingir uma Índia desconhecida – mas que era nosso destino encalhar diante do infinito? Ou então, meus irmãos, ou então?

‘Friedrich Nietzsche’

NÃO QUERER SERVIR DE SÍMBOLO

Eu lastimo os príncipes: não lhes é permitido se anularem de tempos em tempos na sociedade assim não aprendem a conhecer os homens a não ser numa posição desconfortável e numa constante dissimulação; a continua obrigação de significar alguma coisa acaba por transformá-los efetivamente em solenes nulidades. – E assim vai acontecer a todos aqueles que têm o dever de ser símbolos.

‘Friedrich Nietzsche’

ISSO TAMBEM É HERÔICO

Fazer as coisas mais malcheirosas de que nem sequer se ousa falar, mas que são úteis e necessárias – isso também é heróico. Os gregos não tiveram vergonha de incluir nos grandes trabalhos de Hercules a limpeza de uma estrebaria.

‘Friedrich Nietzsche’

IMPACIÊNCIA

Há um Grau de impaciência nos homens de pensamento e de ação que, ao menor insucesso, os faz passar em seguida ao campo contrário, os impele a apaixonar-se e lançar-se aí em novas empresas – até que, também ali, sejam apanhados por uma hesitação do sucesso; e assim que vagueiam, aventureiros e violentos, através da prática de muitos reinos e de naturezas variadas e pode ocorrer eu finalmente se tornem, graças ao conhecimento universal dos homens e das coisas que deixa neles a prodigiosa experiência de suas aventuras e, atenuando um pouco seu instinto – homens práticos poderosos. É assim que uma fraqueza de caráter se torna uma escola de gênio.

‘Friedrich Nietsche’

EM SENTIDO CONTRÁRIO

Um pensador pode se obrigar durante anos a pensar em sentido contrário: quero dizer, não seguir os pensamentos que se apresentam a ele, vindos do seu interior, mas aqueles que parecem obrigá-lo a um emprego, um horário prescrito, uma forma arbitrária de se aplicar. Mas acaba por cair doente: pois essa aparente coação moral destrói a sua força nervosa tão radicalmente que poderia fazer dele uma perversão, da qual se teria feito uma regra.

‘Friedrich Nietzsche’

DESVIOS DO PENSADOR

Em alguns homens, a marcha do pensamento inteiro é rigorosa e inflexivelmente audaciosa, chegando mesmo, em certos casos, a ser até cruel consigo mesma, mas nos detalhes esses homens são doces e maleáveis; dão dez voltas em torno de uma coisa com uma hesitação benevolente, mas acabam por continuar o seu rigoroso caminho. São rios com numerosos meandros e com eremitérios isolados; há locais de seus cursos onde as águas jogam de esconde-esconde consigo mesmas e se permitem, ao passar, breves idílios com ilhotas, com arvores, grutas e cascatas: depois retomam o seu curso, acariciando os rochedos e abrindo passagem entre as rochas mais duras.

‘Friedrich Nietzsche’

DAS VIRTUDES DO FUTURO

Por que razão, quando mais compreensível se tornou o mundo, mais foi diminuída toda a espécie de solenidade? Teria sido porque o medo foi tão frequentemente o elemento fundamental dessa veneração que se apoderava de nós diante de tudo o que nos parecia desconhecido, misterioso, e nos levava a nos prosternar e pedir graça diante do incompreensível? E pelo fato de nos termos tornado menos receosos, não teria o mundo perdido para nós o seu encanto? Ao mesmo tempo nossa disposição ao temor, nossa própria dignidade, nossa solenidade, nossa própria aptidão a aterrorizar no teriam diminuído? No estimaremos talvez menos o mundo e a nós mesmos, desde que temos, a respeito dele e ao nosso, pensamentos mais corajosos? Viria talvez um momento, no futuro, em que essa coragem do pensador tivesse crescido tanto que tivesse o supremo orgulho de se sentir superior aos homens e ás coisas – em que o sábio, sendo o mais corajoso seria aquele que se visse a si mesmo e a existência completa abaixo dele? – Esse gênero de coragem que não se afasta de uma excessiva generosidade tem até agora feito falta à humanidade. Ah! Os poetas não queriam tornar-se novamente o que foram talvez outrora: visionários que nos dizem algum coisa daquilo que é possível! Hoje, que lhes retiramos das mãos e que é necessário sempre mais lhes retirar de suas mãos o real e o passado – pois já passou o tempo em que inocentemente se cunhava moeda falsa! – deveriam nos dizer alguma coisa daquilo que toca as virtudes do futuro! Ou das virtudes que não existirão nunca na terra, embora possam existir em alguma parte do mundo – as constelações purpúreas e as imensas vias lácteas do belo! Onde estão vocês, astrônomos do ideal?

‘Friedrich Nietzsche’

CONCILIAR

Deveria ser tarefa da filosofia conciliar aquilo que a criança aprendeu coma quilo que o homem reconheceu? A filosofia deveria ser então a tarefa dos jovens, que estão a meio caminho entre a criança e o homem e têm necessidades medianas? Parecia quase que fosse assim, se consideramos a que idade os filósofos têm hoje o costume de formar as suas concepções: quando é tarde demais para crer e cedo demais para saber.

‘Friedrich Nietzsche’

COMO BRILHAM OS HOMENS E OS POVOS

Quantas ações essencialmente individuais ficam em suspenso somente porque antes de executá-las constatamos que seriam mal interpretadas ou receamos que o sejam realmente! – são as ações, portanto, que justamente têm um valor verdadeiro para o bem e para o mal. Por conseguinte, quanto mais uma época, um povo, estimam os indivíduos, mais direito e preponderância lhes são concedidos, mais ações desse gênero ousaremos um dia fazer – e assim uma espécie de clarão de honestidade, de franqueza, no bem e no mal, acaba por se difundir nas épocas, em povos inteiros, de modo que, como ocorreu com os gregos, continuam, semelhantes a certas estrelas, a projetar seus raios, durante milhares de anos após o seu desaparecimento.

‘Friedrich Nietzsche’

CEGUEIRA DOS PENSADORES EM RELAÇÃO ÀS CORES

Os gregos viam a natureza de maneira diferente da nossa, pois, devemos admitir que seu olho era cego para o azul e para o verde e que viam, em vez do azul, um castanho mais carregado, em vez de verde, um amarelo (designavam, pois, com a mesma palavra, a cor de uma cabeleira escura, aquela do mirtilo e aquela dos mares meridionais, e ainda, pela mesma palavra, a cor das plantas verdes e da pele humana, do mel e das resinas amarela: de modo que os seus maiores pintores, como foi demonstrado, não puderam reproduzir o mundo que os cercava senão pelo preto, pelo branco, pelo vermelho e pelo amarelo). – Como lhes devia parecer diferente a natureza e mais próxima do homem, pois aos seus olhos as cores do homem predominavam igualmente na natureza e esta, por assim dizer, se banhava no éter colorido da humanidade! (O azul e o verde despojam a natureza da sua humanidade mais que qualquer oura cor). Foi por esse defeito que se desenvolveu a facilidade infantil, peculiar dos gregos, de considerar os fenômenos da natureza como deuses e semi-deuses, isto é, de vê-los sob forma humana. – mas que isso sirva de símbolo a outra hipótese. Todo o pensador pinta seu mundo particular dele e as coisas que o cercam com menos cores do que as que existem, e é cego a algumas. Não é apenas um defeito. Graças a essa aproximação e a essa simplificação, ele empresta às coisas harmonias de cores extremamente que têm um grande encanto e que podem produzir um enriquecimento da natureza. Talvez seja mesmo por essa via somente que a humanidade aprendeu a usufruir do espetáculo da vida: graças ao fato de que a existência lhe foi inicialmente apresentada com uma ou duas tonalidades e, por conseguinte, de uma forma mais harmoniosa: ela se habituou, por assim dizer, com esses tons simples, antes de passar a nuances mais variadas. Ainda hoje, certos indivíduos se esforçam para sair de uma cegueira parcial para chegar a uma vida mais rica e a uma diferenciação maior; fazendo isso, não encontram somente novos prazeres, mas são forçados também a abandonar e perder alguns antigos.

‘Friedrich Nietzsche’

ALIENAÇÃO MORAL DO GÊNIO

Pode-se observar Numa certa categoria de grandes espíritos um espetáculo penoso e ás vezes assustador: seus momentos mais fecundos; seus vôos para o alto e para longe não parecem estar conformes ao conjunto da sua constituição e com isso, a ultrapassar de alguma forma ou de outra as suas forças, de modo que sempre permanece uma deficiência e que dela resulta, com o tempo, um defeito da maquina, o qual, por sua vez, se traduz; em naturezas de tão elevada intelectualidade, em todas as espécies de sintomas morais e intelectuais, muito mais regularmente do que em misérias físicas. Esses aspectos incompreensíveis de sua natureza, o que têm de temeroso, de vaidoso, de odioso, de invejoso, de constrangido e de constrangedor, e que se manifesta de repente neles, todo o lado excessivamente pessoal e de coação em naturezas como as de Rousseau e de Schopenhauer, poderia muito bem ser a conseqüência de uma periódica doença do coração: esta, contudo, sendo conseqüência de uma doença nervosa e esta, por fim, conseqüência de... Enquanto o gênio habita em nós, somos cheios de intrepidez, somos como loucos e pouco ligamos à saúde, à vida e à honra; atravessamos o dia com nosso vôo mais livre que uma águia e, na escuridão, nos sentimos mais seguros que uma coruja. Mas de repente o gênio nos abandona e logo um temor profundo nos invade: não nos compreendemos mais a nós mesmos, sofremos com tudo o que não vivemos, é como se estivéssemos no meio de rochedos nus diante da tempestade e ao mesmo tempo somos como lamentáveis almas de crianças que se aterrorizam por qualquer ruído e sombra. – Três quartos do mal cometido na terra acontecem por covardia: e isso é, antes de tudo, um fenômeno fisiológico!

‘Friedrich Nietzsche’

A SABEDORIA SEM ORELHAS

Ouvir diariamente o que se diz de nós ou mesmo tentar descobrir o que se pensa de nós – isso acaba por aniquilar o homem mais forte. É por isso que os outros nos deixam viver, para ter cada dia razão contra nós! Não suportariam se tivéssemos razão contra eles e, menos ainda, se quiséssemos ter razão! Numa palavra, façamos este sacrifício para o bom entendimento geral, não escutemos quando falam de nós, quando nos elogiam ou nos recriminam, quando expressam desejos e esperanças a nosso respeito, nem sequer pensemos nisso!

‘Friedrich Nietzsche’

A PRIMEIRA NATUREZA

Da maneira como nos criam hoje, cometamos por receber uma segunda natureza: e nós a possuímos quando o mundo nos declara que chegamos à maturidade, emancipados, utilizáveis. Só um reduzido número é suficientemente serpente para se despojar dessa pele, no momento em que, sob esse invólucro, sua primeira natureza chegou à maturidade. Mas na maioria das pessoas o germe foi sufocado.

‘Friedrich Nietzsche’

A PONDERAÇÃO ALIADA À IGNORÂNCIA

Por toda a parte onde compreendemos, tornamo-nos gentis, felizes, inventivos e por toda a parte onde aprendemos suficientemente e onde educamos a vista e o ouvido, nosso espírito se mostra cheio de desembaraço e de graça. Mas compreendemos tão poucas coisas e somos tão miseravelmente instruídos que raramente acontece que abracemos uma coisa e ao mesmo tempo nos tornemos dignos de amor: antes, rígidos e insensíveis, atravessamos a cidade, a natureza e a história e nos orgulhamos dessa atitude e dessa frieza, como se elas fossem o efeito da superioridade. Nossa ignorância e nossa medíocre sede de saber se dispõem muito bem para assumir a máscara da dignidade e do caráter.

‘Friedrich Nietzsche’

A NOVA PAIXÃO

Por que tememos e detestamos a possibilidade de um retorno à barbárie? Seria talvez porque a barbárie tornaria os homens mais infelizes do que são? De modo algum! Os bárbaros de todas as épocas foram mais felizes: não nos iludamos! – Mas nosso instinto de conhecimento é muito desenvolvido para que possamos ainda apreciar a felicidade sem conhecimento ou a felicidade de uma ilusão e vigorosa; só sofremos com a simples idéia de semelhante estado de coisas! A inquietação da descoberta e da solução encontrada tornou-se para nós tão sedutora e tão indispensável como, para o amante, seu amor infeliz: por nenhum preço gostaria de trocá-lo por um estado de indiferença; - sim, talvez também nos sejamos amantes infelizes! O conhecimento se transformou em nós em paixão que não teme nenhum sacrifício e não tem no fundo se não um único receio, o de se extinguir a si própria: acreditamos sinceramente que toda a humanidade, acabrunhada sob o peso dessa paixão, deve sentir-se mais nobre e mais confiante do que antes, quando não tinha ainda ultrapassado a satisfação mais grosseira que acompanha a barbárie. A paixão do conhecimento talvez leve mesmo a humanidade a perecer! – este pensamento também é desprovido de qualquer poder sobre nós! O cristianismo se assustou alguma vez com idéias semelhantes? A paixão e a morte não são irmãs? Sim , odiamos a barbárie – todos preferimos ver a destruição de toda a humanidade antes que ver o conhecimento regredir sobre seus passos! E afinal de contas: se a paixão não leva a humanidade a perecer, ela vai perecer de fraqueza: que preferimos? Esta é a questão essencial. Desejamos que a humanidade acabe no fogo e na luz ou na areia?

‘Friedrich Nietzsche’

terça-feira, 10 de junho de 2008

UM FUTURO POSSIVEL

Não se poderia imaginar um estado social em que o malfeitor se declarasse ele próprio culpado, pronunciasse ele próprio publicamente a sua pena, como o sentimento orgulhoso que honra a lei que ele próprio fez que exerce o seu poder punindo-se, o poder do legislador? Pode falar uma vez, mas por sua punição voluntária se eleva acima de seu delito; não somente o apaga por sua franqueza, por sua grandeza e por sua tranqüilidade, mas acrescenta-lhe ainda um beneficio público. – Esse seria o criminoso de um futuro possível, que supõe, é verdade, a existência de uma legislação do futuro com a idéia fundamental: “Eu me submeto somente à lei que eu mesmo promulguei, nas grandes e nas pequenas coisas.” Muitas tentativas devem ser feitas! Muitos futuros devem ainda ver o dia!

‘Fridrich Nietzsche’

SOBRE O POVO DE ISRAEL

Entre os espetáculos para que nos convida o próximo século, é preciso colocar o regulamento definitivo do destino dos judeus europeus. É de todo evidente agora que eles lançaram os seus dados, que atravessaram o Rubicão (Rubicone em italiano, é o nome de rio da Itália; que na época da Republica romana marcava a fronteira entre a Gália Cisalpina e a Itália, no ano 49 antes de Cristo. Julio César, que era governador da Gália, atravessou-o ilegalmente para marchar com o seu exercito sobre Roma, provocando a guerra contra Pompeu, confronto bélico que depois se transformou em guerra civil. César no fim, levou a melhor e se tornou o primeiro imperador de Roma. Subsiste ainda hoje a expressão; atravessar o Rubicão, que significa superar uma dificuldade enorme ou tomar uma decisão audaciosa e irrevogável) não lhes resta se não tornarem os senhores da Europa ou perder a Europa como perderam outrora o Egipto, onde se haviam deparado com semelhante alternativa. Na Europa, porém, tiveram uma escola de dezoito séculos, coisa que nenhum outro povo pôde pretender, e isso de tal maneira que não foi tanto a comunidade, mas sobretudo os indivíduos que lucraram com as experiências desse espantoso período de provas. A conseqüência disso é que, entre os judeus atuais, os recursos da alma e do espírito são extraordinários; entre todos os habitantes da Europa são eles que, na desgraça, têm mais raramente o recurso à bebida ou ao suicídio para sair de um embaraço profundo – o que é tão tentador para qualquer pessoa menos capacitada. Todo o judeu encontra na história dos seus pais e dos seus antepassados uma fonte de exemplos de raciocínio frio e de perseverança em situações terríveis, da mais sutil utilização da desgraça e do acaso pela astúcia; sua coragem sob a capa de uma submissão humilhante, seu heroísmo do ‘spernere se sperni’ (expressão latina que significa “desprezar de ser desprezado, menosprezar por ser menosprezado”) ultrapassa as virtudes de todos os santos. Durante dois mil anos se quis torná-los desprezíveis tratando-os com desprezo, impedindo-lhes o cesso a todas as honras, a tudo o que existe de honroso, impelindo-os pelo contrário para baixo, para os trabalhos mais sórdidos – para dizer a verdade, esse procedimento não os tornou mais decentes. Mais desprezíveis, talvez? Eles mesmos nunca deixaram de se considerar votados às maiores coisas e as virtudes de todos aqueles que sofreram nunca deixaram de embelezá-los. A maneira como eles honraram os pais e os filhos, a razão que preside aos seus casamentos e a seus hábitos matrimoniais os distingue entre todos os europeus. Além disso, eles se empenharam em extrair precisamente um sentimento de poder e de vingança eterna dos trabalhos que deixávamos para eles (ou às quais nós os abandonávamos); é preciso até dizer em desconto de sua usura, que sem essa tortura de seus depreciadores, às vezes agradável e vantajosa, dificilmente teriam chegado a considerar-se a si próprios durante tanto tempo. De fato, a estima por nós mesmos está ligada à possibilidade de fazer o bem e o mal. Com isso, os judeus não se deixaram levar muito longe pela vingança; pois, todos eles têm a liberdade de espírito e também a da alma que produzem no homem a mudança freqüente de lugar, de clima, o contato com os costumes dos vizinhos e dos opressores; possuem a maior experiência de todas as relações com os homens e, mesmo na paixão, conservam a prudência nascida dessa experiência. Estão tão seguros da sua maleabilidade intelectual e da sua habilidade que nunca têm necessidade, mesmo nas situações mais difíceis, de ganhar o pão pela força física, como trabalhadores rústicos, carregadores, escravos agrícolas. Vemos ainda por suas maneiras que nunca lhes inculcamos sentimentos cavaleirescos e nobres na alma, nem lhes pusemos belas armaduras em seu corpo: algo de indiscreto alterna com uma deferência muitas vezes terna e quase sempre penosa. Mas agora, que ano após ano se aliaram inevitavelmente com a melhor nobreza da Europa, logo terão conquistado uma herança considerável nas boas maneiras do espírito e do corpo: de modo que, dentro de cem anos, já terão o porte suficientemente aristocrático para não provocar, como senhores, a vergonha daqueles que lhes serão submissos. E é isso que importa! É por isso que uma regulamentação do seu caso é ainda prematura! Eles são os primeiros a saber que não se trata para eles de uma conquista da Europa nem de qualquer tipo de violência: mas sabem também que a Europa, como um fruto maduro, deverá cair um dia em suas mãos, bastando para tanto estendê-las. Esperando, é necessário para eles se distinguir em todos os domínios da distinção européia e se posicionar entre os primeiros, até que sejam eles próprios a determinar o que distingue. Serão então os inventores e os guias dos europeus e não ofenderão mais o pudor destes. É essa abundancia de grandes impressões acumuladas que constitui a história judaica para todas as famílias judias, essa abundância de paixões, de virtudes, de decisões, de renuncias, de combates, de vitórias de toda a espécie – a que deverá chegar finalmente com grandes obras e com grandes homens intelectuais! Então, quando os judeus puderem mostrar como sua obra de pedras preciosas e de taças de ouro, tais que os povos europeus de experiência mais curta e menos profunda não podem nem puderam produzir – quando Israel tiver transformado a sua vingança eterna em benção eterna da Europa: então retornará esse sétimo dia em que o velho Deus dos judeus poderá se alegrar consigo mesmo, por sua criação e por seu povo eleito – e todos nós, todos, queremos nos alegrar com ele!

‘Friedrich Nietzsche’

SOBRE A GRANDE POLÍTICA

Qualquer que seja a parte que tomem, na grande política, o interesse e a vaidade dos indivíduos como dos povos, a força mais viva que os impele a avançar é a necessidade de poder que; não somente na alma dos soberanos e dos poderosos, mas também, e não em mínima parte, nas camadas inferiores do povo, brota de tempos em tempos de fontes inesgotáveis. O momento volta sempre onde as massas estão prontas a sacrificar a sua vida, sua chega sempre um momento em que a massa está disposta a arriscar a sua vida, sua fortuna, sua consciência, sua virtude para obter esse prazer superior e para reinar, como nação vitoriosa e tiranicamente arbitraria, sobre outras nações (ou pelo menos pra imaginar que reinam). Então os sentimentos de prodigalidade, se sacrifício, de esperança, de confiança, de audácia extrema, de entusiasmo brotam com tal abundancia que o soberano ambicioso ou previdente com sabedoria pode tomar o primeiro pretexto para uma guerra e substituir á sua justiça a boa consciência do povo. Os grandes conquistadores sempre tiveram nos lábios a linguagem patética da virtude: estavam sempre rodeados de massas que se encontravam em estado de exaltação e somente queriam ouvir discursos exaltados. Estranha loucura dos juízos morais! Quando o homem experimenta um sentimento de poder, ele se julga e se declara bom: e é justamente então que os outros, sobre os quais é obrigado a desencadear o seu poder, o declaram mau! – Hesíodo (Hesíodo – século VIII a.c. – poeta grego), em sua fabula das idades do homem, descreveu duas vezes seguidas a mesma época, aquela dos heróis de Homero, e é assim que de uma só época fez duas: vista por aqueles que foram submetidos ao domínio terrível, á espantosa pressão desses heróis aventureiros da força ou que deles haviam ouvido falar os seus antepassados, essa época aprecia como má: mas os descendentes dessas gerações cavaleirescas veneravam nela um bom velho tempo, quase feliz. É por isso que o poeta não conseguiu ter outra saída senão aquela que apresentou – pois tinha provavelmente em torno dele ouvintes dos dois tipos!

‘Friedrich Nietzsche’

PEQUENAS AÇOES DIVERGENTES SÃO NECESSÁRIAS!

Em questões de costumes, agir uma única vez que seja ao encontro daquilo que reputamos preferível; ceder aqui, na prática, conservando, contudo, a liberdade intelectual; comportar-se como todos e manifestar assim, a todos, uma amabilidade e uma bondade para compensá-los de alguma forma das divergências das nossa opiniões: - tudo isso é considerado, entre os homens um pouco independentes, não somente como admissível, mas também como “honesto”, “humano”, “tolerante”, “nada pedante”e quaisquer que sejam os termos que se usa para adormecer a consciência intelectual: e é assim que um tal faz batizar cristãmente seu filho apesar de ser ateu, outro cumpre o seu serviço militar como todos, embora condene severamente o ódio entre os povos, e um terceiro se apresenta á igreja com uma mulher porque ela é de piedosa família e faz promessas diante de um padre sem sentir vergonha de sua inconseqüência. “Isso não tem importância se algum de nós faz o que todos fazem e sempre fizeram” – assim fala o preconceito grosseiro! E o erro grosseiro! Pois nada é mais importante que confirmar uma vez mais o que já é poderoso, tradicional e reconhecido sem razão, pelo ato de alguém reconhecidamente sensato: é assim que se confere a essa coisa, aos olhos de todos aqueles que dela ouvem falar, a sanção da própria razão! Mil respeitos por suas opiniões! Mas pequenas ações divergentes têm mais valor!

‘Friedrich Nietzsche’

HOMENS MELHORES

Dizem-me que nossa arte se dirige aos homens de hoje, ávidos, insaciáveis, indomáveis, desgostosos, atormentados e que lhes mostra uma imagem da beatitude, da elevação, da sublimidade, ao lado da imagem de sua feiúra: a fim de que possam de uma vez por todas esquecer e respirar livremente, talvez até mesmo extrair desse esquecimento um incentivo à fuga e à conversão. Pobres artistas, que têm semelhante público! Com tais segundas intenções, dignas do padre e do médico psiquiatra! Quanto mais feliz era Corneille (Pierre Corneille – 1606-1684 – poeta dramático francês) – “o grande Corneille”, como exclamava Madame de Sévigné (Marie de Rabutin-Cantal, madame de Sévigne – 1626-1926 – escritora francesa), com o tom da mulher diante de um homem completo – como era superior seu publico, para o qual ele podia fazer o bem com as imagens das virtudes cavaleirescas, do dever rigoroso, do sacrifício generoso, da heróica disciplina de si mesmo! Quão diversamente um e outro amavam a existência, não criada por uma “vontade” cega e inculta, que maldizemos porque não conseguimos destruí-la, mas como um lugar em que a grandeza e a humanidade são possíveis ao mesmo tempo e, onde; até mesmo a coação mais severa das formas, a submissão ao bom prazer principesco ou eclesiástico, não podem sufocar a altivez nem; o sentimento cavaleiresco nem a graça nem o espírito de cada individuo, mas são antes considerados como um encanto a mais e um estimulante cuja oposição reforça o domínio de si e a nobreza inata, o poder hereditário da vontade e da paixão!

‘Friedrich Nietzsche’

EMBRIAGUEZ E NUTRIÇÃO

Os povos só são tão enganados porque procuram sempre um enganador, isto é um vinho excitante para os seus sentidos. Contanto que possam obter esse vinho, contentam-se com pão de má qualidade. A embriaguez lhes interessa mais que a alimentação – esta é a isca com que sempre se deixam pescar! Que significam para eles homens escolhidos em suas fileiras – mesmo que fossem os especialistas mais competentes – ao lado de conquistadores ilustres, de velhas e suntuosas casas principescas? Como mínimo seria necessário que o homem do povo, para ter sucesso, lhes abrisse a perspectiva de conquistas e de aparato: isso o levaria talvez a conseguir crédito. Os povos obedecem sempre e vão mais longe ainda, com a condição de poder embriagar-se! Não temos até mesmo o direito de lhes oferecer o prazer sem a coroa de louros, cuja força enlouquece. Mas esse gosto popularesco que considera a embriaguez mais importante que a nutrição não surgiu de modo algum das profundezas do populacho: foi, pelo contrário transportado e transplantado para crescer tardiamente com mais abundancia, embora tenha a sua origem nas inteligências mais altas, onde floresceu durante milhares de anos. O povo é o último terreno inculto onde pode ainda prosperar essa esplendorosa erva daninha. – Como! E é justamente ao povo que se gostaria de confiar a política? Para que nela alimente a sua embriaguez cotidiana?

‘Friedrich Nietzsche’

ELOGIO E RECRIMINAÇÃO

Se uma guerra tem um desenlace infeliz, pergunta-se de quem é a “culpa”; se termina numa vitória, elogia-se o autor. Em toda a parte onde houver fracasso procuramos a culpa, pois o insucesso traz consigo um descontentamento, contra o qual empregamos involuntariamente um único remédio: uma nova excitação do sentimento de poder – e esta se encontra na condenação do “culpado”. Este culpado não é como poderíamos crer, o bode expiatório para a culpa dos outros: é a vitima dos fracos, dos humilhados, dos rebaixados que procuram um meio qualquer para provar que ainda têm força. Condenar-se a si mesmo pode ser também um meio de recuperar, depois do fracasso, um sentimento de força – Inversamente a glorificação do autor é muitas vezes o resultado totalmente cego de outro instinto que exige a sua vitima – e nesse caso, o sacrifício parece mesmo agradável e sedutor para a vitima: - isso ocorre quando o sentimento de poder de um povo, de uma sociedade, é culminado por um sucesso to grande e prodigioso que sobrevém uma fadiga da vitória e abandonamos uma parte do nosso orgulho: surge então um sentimento de abnegação que procura um objeto. – Quer sejamos elogiados ou recriminados, somos geralmente somente pretextos para nossos vizinhos e muitas vezes pretextos arbitrariamente agarrados pelos cabelos, para dar livre curso às necessidades de recriminação ou de elogio acumuladas neles: nos dois casos, dispensamos-lhes um beneficio para o qual nós não temos mérito e eles não têm reconhecimento.

‘Friedrich Nietzsche’

DESEJAR ADVERSÁRIOS PERFEITOS

Não se poderia contestar aos franceses que foram o povo mais cristão da terra: não que na França a devoção das massas tenha sido maior que em outros lugares, mas as formas mais difíceis de realizar o ideal cristão ali se encarnaram em homens e no permaneceram no estado de concepção, de intenção, de esboço imperfeito. Veja-se Pascal, na união do fervor, do espírito e da lealdade, o maior de todos os cristãos – e que se pense em tudo o que se trataria de unir aqui! Veja-se Fénelon, a expressão mais perfeita e sedutora da cultura eclesiástica sob todas as formas: um equilíbrio sublime, do qual, como historiador, se estaria tentado a demonstrar a sua impossibilidade, enquanto que na realidade só foi uma perfeição de uma dificuldade e de uma improbabilidade infinitas. Veja-se Madame de Guyon (Jeanne-Marie Bouvier de la Motte, dita Madame Guyon – 1648-1717 – mística francesa, difundiu o quietismo, doutrina teológica que afirmava a presença continua de Deus na alma e pregava um abandono total a ele; condenadas pela Igreja, a doutrina e Madame de Guyon, esta foi presa e exilada), entre os seus semelhantes, os quietistas franceses: e tudo o que a eloqüência e o ardor do apostolo Paulo tentaram adivinhar do estado mais sublime, mais apaixonado, mais silencioso, mais extasiado e, numa palavra, semi-divino do cristão, aqui tudo se tornou verdade, despojando-se dessa inoportunidade judaica de que são Paulo dá mostras para com Deus, rejeitando-a graças a uma ingenuidade de palavras e gestos, autenticamente feminina, refinada e distinta como a conhecia a antiga França. Veja-se o fundador da Ordem do Trapista, o último que levou a serio o ideal ascético do cristianismo, não que ele fosse uma exceção entre os franceses, mas, pelo contrario, como verdadeiro francês: pois te hoje a sua sombria criação não conseguiu se aclimatar e prosperar senão entre os franceses; ela os seguiu na Alsácia e na Argélia. Não esqueçamos dos huguenotes (Assim era chamados pelos católicos os protestantes franceses durante as guerras de religião nos séculos XVI e XVII; o termo huguenote é uma corruptela do vocábulo alemão Eidgenossen que significa confederados): depois deles não houve ainda mais bela união do espírito guerreiro e do amor ao trabalho, dos costumes refinados e da austeridade crista. Veja-se ainda Port-Royal, onde se verifica o último florescimento da grande erudição cristã: no tocante a esse florescimento, na França os grandes homens compreendem melhor isso que os de qualquer outro lugar. Longe de ser superficial, um grande francês conserva sempre a sua superfície, um envoltório natural que encobre o seu conteúdo e a sua profundidade – enquanto que a profundidade de um grande alemão está geralmente encerrada numa espécie de frasco estranhamente envolvido, como um elixir que tenta proteger-se da luz e das mãos frívolas com seu duro e singular envoltório. – Que se tente adivinhar, depois disso, porque esse povo, que possui os mais completos da cristandade, gerou necessariamente também os tipos contrários mais completos do livre pensamento anticristão! O espírito livre francês, em seu foro intimo, sempre lutou com grandes homens e não somente com dogmas e com sublimes abortos, como os espíritos livres dos outros povos.

‘Friedrich Nietzsche’

AS HOMENAGENS INCONDICIONAIS

Quando penso no filosofo alemão mais lido, no musico alemão mais ouvido, no homem de Estado alemão mais considerado, sou obrigado a confessar: se atualmente se torna a vida muito dura para os alemães, esse povo dos sentimentos absolutos, isso é devido a seus grandes homens. Nos três casos, o espetáculo é esplendido para contemplar: é cada vez um rio, tão poderosamente agitado no leito que ele próprio cavou que se poderia muitas vezes acreditar quer escalar a montanha. E, no entanto, por mais longe que seja levada a admiração, quem não gostaria de ser, no final das contas, de outro estilo que o de Schopenhauer! E quem gostaria de compartilhar agora, nas grandes e nas pequenas coisas, as opiniões de Wagner, compositor alemão (1813-1883)? – por mais justa que possa ser a observação daquele que disse que; sempre que Wagner dá ou toma um impulso, um problema está escondido – vamos adiante, não é ele que vai trazê-lo à luz. – E, finalmente, quantos não haveria que gostariam de todo o coração, estar de acordo com Bismarck (Oto Bismarck – 1815-1898), com a condição de que ele estivesse de acordo consigo mesmo ou que pelo menos aparentasse sê-lo doravante! Certamente: não há princípios, mas instintos, um espírito flexível a serviço de violentos instintos dominantes e por isso sem princípios – isso não deveria ser nada surpreendente num homem de Estado, mas deveria antes ser considerado como justo e normal. Ai! Isso foi até agora tão pouco alemão! Tão pouco como o ruído em torno da musica, as dissonâncias e o mau humor em torno do musico! Tão pouco como a nova e extraordinária posição escolhida por Schopenhauer: nem acima das coisas, nem de joelhos diante delas – nos dois casos, isso teria sido ainda alemão – mas contra as coisas! Incrível e desagradável! Colocar-se no mesmo nível das coisas, mas ser, apesar disso, seu adversário e, no final das contas, o adversário de si próprio! – Que deve fazer o dominador incondicional com semelhante modelo? E sobretudo, de três desses modelos que nem mesmo mostram o desejo de estar em paz entre si! Ai está Schopenhauer, adversário da musica de Wagner, e Wagner, adversário da política de Bismarck, e Bismarck, adversário de todo wagnerismo e de todo schopenhauerismo! Que resta fazer? Onde se refugia com sua sede de “veneração em bloco”? Seria possível talvez escolher na musica do compositor algumas centenas de boas medidas que toquem o coração e que se goste de ter no coração porque têm coração – seria possível ir embora com esse pequeno espolio e esquecer todo o resto? E procurar semelhante arranjo com o filosofo e com o homem de Estado – escolher, guardar no coração e, sobretudo, esquecer o resto? Sim, se não fosse tão difícil esquecer! Era uma vez um homem muito orgulhoso que, a nenhum preço, queria aceitar nada que não fosse de si próprio, tanto no bem como no mal: mas quando teve necessidade do esquecimento, não pôde dá-lo a si próprio e foi forçado a conjurar os espíritos por três vezes: eles vieram, ouviram o seu pedido e disseram no fim: “É justamente a única coisa que não está em nosso poder!” Os alemães não deveriam tirar proveito da experiência de Manfredo? Para que conjurar primeiro os espíritos! É inútil, no se esquecer quando se quer esquecer. E como seria importante “o resto” para esses três grandes homens do nosso tempo, a fim de poder permanecer seu admirador em bloco! Seria, portanto, preferível aproveitar a ocasião para tentar algo de novo: quero dizer, progredir na lealdade para consigo mesmo e tornar-se, em vez de um povo que repete de uma forma crédula e que odeia maldosa e cegamente, um povo de aprovação condicional e de oposição benevolente; mas aprender antes de tudo que as homenagens incondicionais para com as pessoas são algo de ridículo, que mudar de opinião a respeito não seria desonroso, mesmo para os alemães, e que existe uma máxima profunda, digna de ser seguida:
“O que importa não são as pessoas, mas as coisas”.
Esta máxima é, como aquele que a pronunciou, grande, honesta, simples e silenciosa – assim como Carnot (Lazare Carnot – 1753-1823 – político e cientista francês), soldado e republicano. – Mas pode-se agora falar assim de um francês a alemães, e mais ainda de um republicano? Talvez não e talvez não se tenha até mesmo o direito de lembrar o que Niebuhr (Berthold Georg Niebulr – 1776-1831 – diplomata e historiador alemão) pôde dizer outrora aos alemães: que ninguém como Carnot lhe tinha dado a impressão da verdadeira grandeza.

‘Friedrich Nietzsche’

A PRETENSA LUTA DOS MOTIVOS

Fala-se de “luta dos motivos”, mas assim e designa uma luta que não é a “luta dos motivos”. Quero dizer que, em nossa consciência deliberativa, antes de uma ação, se apresentam as conseqüências de diferentes ações que julgamos poder executar todas elas e comparamos essas conseqüências. Julgamos estar decididos a uma ação quando constatamos que suas conseqüências serão as mais favoráveis; antes de chegar a esta conclusão em nossas avaliações, nos atormentamos muitas vezes lealmente por causa das grandes dificuldades que há em adivinhar as conseqüências em percebê-las em toda a sua força, todas, se exceção: além disso, esse cálculo deve ter também a sua parte de acaso. Mas é então que vem o mais difícil: todas as conseqüências que definimos separadamente, com tanta dificuldade, devem ser pesadas umas e outras na mesma balança; e muitas vezes, para essa casuística da vantagem, não temos nem balança nem pesos, por causa das diferenças de qualidade entre todas as conseqüências imagináveis. Suponho, contudo, que nós nos eximíssemos dessa operação como das outras e que o acaso tenha posto em nosso caminho conseqüências reciprocamente comparáveis: então nos restaria efetivamente, na imagem das conseqüências de uma ação determinada, um motivo para praticar essa ação – sim! Um motivo! Mas no momento em que nos decidimos a agir, somos muitas vezes determinados por uma categoria de motivos diferente da categoria descrita aqui, aquela que faz parte da “imagem das conseqüências”. Então intervém o modo segundo o qual nossas forças têm o habito de representar; ou ainda um leve impulso imprimido por uma pessoa que receamos, veneramos ou amamos, ou ainda a indolência que prefere executar o que está à mão, ou finalmente o despertar da imaginação provocado no momento decisivo por um pequeno incidente qualquer – então age também o elemento corporal que; se apresenta sem que se possa determiná-lo, ou ainda a disposição do momento, a irrupção de uma paixão qualquer que está, por acaso, prestes a saltar: numa palavra, agem motivos que; não conhecemos bem ou que ignoramos totalmente e que, por outro lado, não podemos nunca fazê-los entrar de antemão em nossos cálculos. É provável que entre eles também haja luta, tira-teimas, arrebatamento e repressão – essa seria a verdadeira “luta dos motivos”; - qualquer coisa que, para nós, é totalmente invisível e inconsciente. Calculei as conseqüências e os resultados e inseri assim um instinto muito importante na ordem de batalha dos motivos – mas esta ordem de batalha estabeleço-a tão pouco como a percebo: a própria luta está escondida e a vitória, como vitória, igualmente; pois, sei muito em o que acabo de fazer, mas não sei qual é o motivo que finalmente saiu vitorioso. Estamos, com efeito, habituados a não fazer entrar em linha todos os fenômenos inconscientes e a pensar a preparação de um ato apenas na medida em que é consciente: e é por isso que confundimos a luta dos motivos com a comparação das conseqüências possíveis de diferentes ações – uma das confusões mãos cheias de conseqüências e das mais funestas para o desenvolvimento da moral!

‘Friedrich Nietzsche’

quinta-feira, 5 de junho de 2008

APRENDER A SOLIDÃO

Oh! Pobres diabos, vocês que habitam as grandes cidades da política mundial, jovens dotados, torturados pela ambição, acreditam que é seu dever dar seu palpite em todos os acontecimentos (- pois sempre acontece alguma coisa)! Vocês acreditam que, ao levantar assim poeira e fazer barulho, são a carroça da história! Vocês espiam sempre e esperam sem cessar, são a carroça da história! Vocês espiam sempre e esperam sem cessar o momento em que poderão jogar a sua palavra ao publico e perdem assim toda a verdadeira produtividade! Qualquer que seja o seu desejo de grandes obras, o profundo silencio do amadurecimento nunca chega até vocês! O acontecimento do dia os expulsa de sua frente como palha leve, enquanto vocês têm a ilusão de apanhar o acontecimento – pobres diabos! – Sempre que se quer ser um herói na cena, não se deve nem pensar em saber como atua o coro.

‘Friedrich Nietzsche’

O ESTADO, UM PRODUTO DOS ANARQUISTAS

Nos paises em que os homens são disciplinados, subsistem sempre bastantes retardatários não disciplinados: imediatamente se juntam aos campos socialistas, mais que em qualquer outro lugar. Se estes viessem um dia a ditar leis, pode-se esperar que se imporiam correntes de ferro e que exerceriam uma disciplina terrível: - eles se conhecem! E suportariam essas leis com a consciência de que eles próprios as promulgaram – o sentimento de poder, e desse poder, é demasiado recente neles e demasiado sedutor para que não sofram tudo por amor dele.

‘Friedrich Nietzsche’

VIVER E IMAGINAR

Qualquer que seja o Grau que alguém possa atingir no conhecimento de si, nada pode ser mais incompleto que; a imagem que se faz dos instintos que constituem o seu ser. Mal sabe citar por seus nomes os instintos mais grosseiros, o seu numero e sua força, seu fluxo e refluxo, seu jogo recíproco e, antes de tudo, as leis da sua nutrição permanecem inteiramente desconhecidos. Essa nutrição se torna, pois, obra do acaso: os acontecimentos cotidianos da nossa vida lançam a sua presa ou a a esse instinto, ora àquele; ele os toma avidamente, mas o vaivém desses acontecimentos se encontra fora de toda a correlação racional com as necessidades nutritivas do conjunto dos instintos, de modo que ocorrerá sempre duas coisas – uns desfalecerão e morrerão de inanição, outros serão alimentados em excesso. Cada momento da nossa vida faz crescer alguns tentáculos do nosso ser e faz secar alguns outros, conforme a nutrição que o momento trouxer ou não. Sob esse ponto de vista, todas as nossas experiências são alimentos, mas distribuídos às cegas, ignorando aquele que tem fome e quem já está satisfeito. Em conseqüência dessa nutrição de cada parte, deixada ao acaso, o estado do pólipo, em seu desenvolvimento completo, será também fortuito como o seu desenvolvimento o foi. Falando mis exatamente: admitindo que um instinto chega ao ponto em que exige ser satisfeito – ou exercer a sua força ou satisfazê-la ou preencher um vazio (pra usar imagens): examinará cada acontecimento do dia para saber como pode utilizá-lo para seus próprios fins: qualquer que seja a condição em que o homem se encontre, que caminhe ou descanse, que leia ou fale, que se zangue ou lute ou que se alegre, o instinto alterado tateia de algum modo cada uma dessas condições e, na maioria dos casos, nada encontrará a seu gosto; deve então esperar e continuar a ter sede: um instante mais e vai enfraquecer, mais alguns dias ou meses, se não for satisfeito, secará como uma planta sem chuva. Talvez essa crueldade do acaso saltasse mais á vista com cores mais vivas se todos os instintos exigissem ser satisfeitos tão fundamentalmente como a fome, que não se contenta com alimentos sonhados; mas a maior parte dos instintos, sobretudo os chamados morais, se satisfaz precisamente assim – se for permitido supor que os nossos sonhos servem para compensar, em certa medida, a ausência acidental de “alimento” durante o dia. Por que o sonho de ontem era cheio de ternura e lagrimas, o de anteontem agradável e presunçoso, aquele outro, mais antigo ainda, aventuroso e cheio de buscas inquietas? Por que nesse sonho usufruo de indescritíveis belezas d música,por que em outro plano e me elevo com a volúpia da águia até os cumes mais longínquos? Essas imaginações em que se descarregam e jogam nossos instintos de ternura ou de zombaria ou de excentricidade, nossos desejos de musica e de cumes – e cada qual terá à mão exemplos mais chocantes ainda – são as interpretações de nossas excitações nervosas durante o sono, interpretações muito livres, muito arbitrarias da circulação do sangue, do trabalho dos intestinos, da pressão dos braços e dos cobertores, do som dos sinos de uma igreja, do rumor de um cata-vento, dos passos dos notívagos e de outras coisas do gênero. Se esse texto que em geral permanece o mesmo de uma noite para outra, recebe comentários variados do ponto que a razão inventiva imagina ontem e hoje causas tão diferentes para as mesmas excitações nervosas, isso resulta de que a motivação dessa razão é hoje diferente da de ontem – outro instinto quis se satisfazer, se manifestar, se exercer, se aliviar, se expandir – é esse instinto que estava no momento mais forte de seu fluxo, enquanto ontem era outro – a vida desperta não dispõe da mesma liberdade de interpretação que a vida de sonho e é menos poética, menos desenfreada –mas será preciso dizer que durante o dia os instintos também não fazem mais do que interpretar as excitações nervosas e fixar-lhes as “causas” segundo as suas necessidades? Que entre o estado desperto e o sonho não há diferença essencial? Que mesmo comparando níveis muito diferentes de cultura, a liberdade da interpretação desperta nunca é semelhante à liberdade do outro nível em sonho? Que nossas avaliações e nossos juízos morais são sempre imagens e fantasias que escondem um processo fisiológico desconhecido a nós, uma espécie de linguagem convencional para designar certas irritações nervosas? Que tudo o que chamamos consciência não é outra coisa que o comentário mais ou menos fantasioso de um texto desconhecido, talvez incognoscível, mas pressentido? Tomemos o exemplo de uma pequena experiência vivida. Suponhamos que percebemos um dia, enquanto atravessamos a praça pública, que alguém ri de nós: segundo aquele de nossos instintos que esteja entao em seu ponto culminante, esse incidente terá para nós esta ou aquela significação – segundo o tipo humano a que pertencemos será um incidente totalmente diferente. Um vai recebê-lo como uma gota de chuva, outro vai sacudi-lo para longe como um inseto; um vai procurar nisso um pretexto para discutir, outro vai examinar as roupas para verificar se, se prestam ao riso, outro vai meditar sobre o ridículo em si; finalmente, haverá talvez aquele que vai se alegrar por ter contribuído sem querer para acrescentar um raio de sol à alegria do mundo – e em cada um desses casos um instinto conseguirá satisfação, que seja o de desprezo, o da combatividade, o da meditação ou o da benevolência. Esse instinto, qualquer que seja, se apoderou do incidente como de uma presa: por que precisamente esse? Porque, sequioso e esfomeado, estava à espreita. – Ultimamente, ás onze horas da manhã um homem desfaleceu subitamente diante de mim, como fulminado por um raio; todas as mulheres da vizinhança começaram a gritar em desespero; eu mesmo o levantei e perto dele esperei que recobrasse a fala – durante esse tempo nenhum músculo de meu rosto se moveu, não fui tomado de nenhum sentimento, nem de temor nem de piedade, fiz simplesmente o que devia ser feito de mais urgente e razoável, continuando depois meu caminho friamente, suponho que me tivessem anunciado na véspera que no dia seguinte às onze horas alguém cairia assim a meus pés, teria sofrido antecipadamente tormentos de toda espécie, não teria dormido a noite toda e no momento decisivo teria ficado talvez semelhante a esse homem em vez de socorrê-lo. De fato, no intervalo todos os instintos possíveis teriam tido tempo de imaginar e comentar esse acontecimento de nossa vida? Muito mais o que neles pomos do que neles se encontra! Ou deveríamos até mesmo dizer: são vazios em si mesmo? Viver, é imaginar?

‘Friedrich Nietzsche’

quarta-feira, 4 de junho de 2008

VALOR DA CRENÇA NAS PAIXÕES SOBRE-HUMANAS

A instituição do casamento mantém obstinadamente a crença que o amor, embora seja uma paixão, é, contudo, suscetível de durar enquanto paixão, a crença que o amor duradouro, o amor por toda a vida pode ser considerado como a regra. Por essa tenacidade de uma nobre crença, mantida apesar das refutações tão freqüentes que são quase a regra e que fazem dela por conseguinte, uma ‘pia fraus’, expressão latina que significa “piedosa fraude”, a instituição do casamento conferiu ao amor uma nobreza superior. Todas as instituições que concederam a uma paixão a crença em sua duração e a tornaram responsável por essa duração, contra a própria essência da paixão, reconheceram-lhe uma nova ordem: doravante aquele que é prisioneiro de uma paixão no vê mais nisso, como outrora, uma degradação ou uma ameaça, mas, pelo contrário, se sente elevado por ela perante si próprio e diante dos seus semelhantes. Pensemos nas instituições e nos costumes que fizeram do abandono fogoso de um instante uma fidelidade eterna, do prazer da cólera a eterna vingança, do desespero o luto eterno, da palavra súbita e única o compromisso eterno. Por semelhantes transformações, muita hipocrisia e mentira cada vez mais foram introduzidas no mundo: cada vez também, e a esse preço somente, um conceito sobre-humano que eleva o homem.

‘Friedrich Nietzsche’

OS ANIMAIS E A MORAL

As práticas que são exigidas na sociedade mais refinada, evitar com precaução tudo o que é ridículo, bizarro, pretensioso, refrear as virtudes em como os desejos violentos, mostrar-se semelhante aos outros, submeter-se a regras, diminuir-se – tudo isso, enquanto moral social, se encontra até na escala mais baixa da espécie animal – e é só neste nível inferior que vemos as idéias ocultas de todas essas amáveis disposições: pretende-se escapar aos perseguidores a ser favorecido na busca da presa.é por isso que os animais aprendem a dominar-se e a disfarçar-se de tal maneira que alguns deles por exemplo, se adaptam sua cor à cor do ambiente (por meio do que chamamos a “função cromática”), chegam simular a morte, a assumir as formas e as cores de outros animais ou o aspecto da areia, das folhas, dos líquenes, das esponjas (o que os naturalistas ingleses denominam mimicry – mimetismo). É assim que o individuo se dissimula sob a universalidade do termo genérico “homem” ou no meio da “sociedade” ou ainda, se adapta e se assimila aos príncipes, ás castas, aos partidos, ás opiniões do seu tempo ou do seu meio: e a todas as nossas formas sutis de nos fazermos passar por felizes, reconhecidos, poderosos, amáveis encontraremos facilmente o equivalente animal. O sentido da verdade também que, no fundo, não é outra coisa senão o sentido da segurança, o homem o tem em comum com o animal: não queremos nos deixar enganar, nem perder-nos a nós próprios, escutamos com desconfiança os encorajamentos das nossas próprias paixões, dominamo-nos e ficamos desconfiados conosco mesmos; tudo isso também o animal faz; nele também o domínio de si provém do sentido da realidade (da inteligência). De igual modo, o animal observa os efeitos que produz na imaginação dos outros animais, prende a olhar-se através disso, a considerar-se “objetivamente”, a possuir, em certa medida, o conhecimento de si. O animal julga movimentos dos seus adversários e de seus amigos, aprende de cor suas particularidades: contra os representantes de certas espécies, renuncia definitivamente ao combate, tal como adivinha à simples aproximação as intenções pacificas e conciliadoras de muitas espécies de animais. As origens da justiça e da inteligência, da ponderação, da valentia – numa palavra, de tudo o que designamos de virtudes socráticas – são animais: essas virtudes são uma conseqüência dos instintos que ensinam a procurar o alimento e a escapar do inimigo. Se considerarmos, pois, que mesmo o homem superior não fez outra coisa que elevar-se e se aperfeiçoar na qualidade do seu alimento e na idéia do que considera como oposto à sua natureza, nada poderá impedir de qualificar de animal o fenômeno moral por inteiro.

‘Friedrich Nietzsche’

O QUE É A VERDADE

Quem não haveria de ficar contente com a dedução que os crentes fazem de boa vontade: “A ciência não pode ser verdadeira, pois nega a Deus; por conseguinte, ela não vem de Deus; logo não é verdadeira, pois Deus é a verdade”. Não é dedução, mas a hipótese primeira que contém o erro. Como, se Deus não fosse precisamente a verdade e se isso fosse realmente provado? Se fosse a vaidade, o desejo de poder, a impaciência, o temor, a loucura extasiada e assustada dos homens?!

‘Friedrich Nietzsche’

O MUNDO DESCONHECIDO DO “SUJEITO”

Aquilo que os homens têm mais dificuldade em compreender é a sua ignorância sobre os mesmos, desde os tempos mais remotos até nossos dias! Não apenas em relação ao bem e ao mal, mas também em relação a coisas muito mais importantes! A antiga ilusão segundo a qual saberíamos perfeitamente e em todos os casos como se efetua a ação humana, continua viva. Não somente “Deus que vê os nossos corações”, não somente o homem que age e que reflete sobre a sua ação – mas também qualquer outra pessoa não duvida realmente de que compreende o fenômeno da ação em qualquer outra pessoa. “Sei o que quero e o que faço, sou livre e responsável dos meus atos, responsabilizo os outros por aquilo que fazem, posso nomear todas as possibilidades morais e todos os movimentos interiores que precedem uma ação; qualquer que seja a maneira pela qual vocês agem – nela me compreendo a mim mesmo e nela os compreendo a todos!” – Assim é que todos pensavam antigamente, é assim que todos pensam ainda. Sócrates e Platão que nessa matéria foram grandes céticos e admiráveis inovadores, eram, contudo, inocentemente crédulos quanto ao preconceito nefasto, a esse profundo erro, que afirma que “o justo entendimento deve ser seguido forçosamente pela ação justa”. Com esse principio eram sempre herdeiros da loucura e da presunção universais que pretendem que se conheça a essência de uma ação. “Seria terrível se a compreensão da essência do ato justo não fosse seguida pelo ato justo” – essa é a única forma que parecia necessária a esses grandes homens para provar esta idéia; o contrário lhes parecia inimaginável e insensato – e, no entanto, esse contrário responde à realidade nua e crua, demonstrada cotidianamente e a toda a hora, desde sempre! Não é essa precisamente a verdade “terrível” que o que se pode saber de um ato não basta nunca para realizá-lo, que a ponte que vai do entendimento o ato não foi estabelecida até hoje em nenhum caso! S ações não são nunca o que nos parecem ser! Custou-nos tanto aprender que as coisas exteriores não são o que parecem – pois bem, o mesmo deve ser dito em relação ao mundo interior! Os tos são realmente “qualquer coisa diferente” – no podemos dizer mais: e todos os atos são essencialmente desconhecidos. O contrário é e permanece a crença habitual; temos contra nós o mais antigo realismo; até aqui a humanidade pensava: “Uma ação é tal qual nos parece ser”. Relendo estas palavras me vem à mente uma passagem muito significativa de Schopenhauer que gostava de citar para provar que também ele permaneceu sempre agarrado, sem qualquer espécie de escrúpulo a este realismo moral: “Na realidade, cada um de nós é um juiz moral competente e perfeito, conhecendo precisamente o bem e o mal, santificado ao amar o bem e ao detestar o mal: “Na realidade, cada um de nós é um juiz moral; competente e perfeito, conhecendo precisamente o bem e o mal, santificado ao amar o bem e ao detestar o mal – cada um é tudo isso, uma vez que não são os seus próprios atos, mas atos estranhos que estão em causa, e que pode se contentar em provar ou desaprovar, enquanto que o peso da execução é levado pelas costas dos outros. Cada um pode, por conseguinte ter como professor o lugar de Deus.”

‘Friedrich Nietzsche’

O DESPREZO DAS CAUSAS, DAS CONSEQUENCIAS E DA REALIDADE

Esses acasos nefastos que se abatem sobre uma comunidade, tempestades súbitas, secas ou epidemias, despertam em todos os seus membros a suspeita de que faltas contra os costumes foram cometidas ou fazem crer que é preciso inventar novos costumes para apaziguar um novo poder e um novo capricho dos demônios. Esse gênero de suspeita e de raciocínio evita justamente, portanto, aprofundar a verdadeira causa natural e considera a causa demoníaca como razão primeira. Há nisso uma das fontes da má informação hereditária do espírito humano; e a outra fonte se encontra bem o lado, pois, de igual modo e também sistematicamente, se presta uma atenção muito menor às conseqüências sobrenaturais, o que é chamado de punição e graças da divindade. Prescreve-se, por exemplo tomar certos banhos em determinados momentos: no se toma banho por uma questão de higiene, mas porque isso foi prescrito. Não se aprende a fugir das verdadeiras conseqüências da sujeira, mas o pretenso descontentamento que a divindade teria ao ver alguém negligenciar o banho. Sob a pressão de um temor supersticioso, suspeita-se que esse lavar do corpo sujo tem mais importância do que o ar, depois são introduzidos significados de segunda e de terceira mão, estraga-se a alegria e o sentido da realidade e se termina por não conferir a esse lavar senão enquanto pode ser um símbolo. Assim, sob o império da moralidade dos costumes, o homem despreza primeiramente as causas, depois as conseqüências, em terceiro lugar a realidade e liga todos os seus sentimentos elevados, de veneração, de nobreza, de altivez, de reconhecimento, de amor, a um mundo imaginário: que chama de mundo superior. E hoje ainda vemos as conseqüências disso: desde que os sentimentos de um homem se elevam de uma forma ou de outra, esse mundo imaginário está em jogo. É triste dizer, mas provisoriamente todos os sentimentos elevados devem ser suspeitos ao homem de ciência, tão ilusórios e extravagantes se mostram. Não que esses sentimentos devessem ser suspeitos em si e para sempre, mas, de todas as depurações progressivas que esperam a humanidade, a depuração dos sentimentos elevados será uma das mais lentas.

‘Friedrich Nietzche’

O ALÉM TUMULO

O cristianismo encontrou em todo o império romano a idéia dos tormentos infernais: os numerosos cultos secretos tinham chocado essa idéia com uma complacência toda particular, como se fosse o ovo mais fecundo em seu poder. Epicuro, um filosofo materialista grego (341-170 a.c) acreditou não poder fazer nada de melhor em favor dos seus semelhantes do que extirpar essa crença até as raízes: seu triunfo encontrou o seu mais belo eco na boca de um discípulo da sua doutrina, o romano Lucrécio (Titus Lucretius Carus (98-55 a.c.), poeta latino, em sua obra ‘De natura rerum’ analisou as teorias de pensadores gregos, como Demócrito e Epicuro). Infelizmente o seu triunfo veio muito cedo – o cristianismo pôs sob sua proteção particular a crença já declinante nos horrores subterrâneos e nisso mostrou-se hábil! Como, sem esse golpe de audácia em pleno paganismo, poderia ter obtido a vitória sobre a popularidade dos cultos de Mira e de Ísis? Foi assim que pôs os crédulos do seu lado – os seguidores mais entusiastas de uma nova fé! Os judeus, um povo que amava e que ama a vida como os gregos e mais ainda que os gregos, tinham cultivado pouco essa idéia. A morte definitiva como punição do pecador, a morte sem ressurreição como ameaça extrema – isso era o que impressionava suficientemente esses homens singulares que não queriam se desembaraçar do seu corpo, mas que, em seu refinamento egípcio, esperavam se salvar por toda a eternidade. Um mártir judeu de que se fala no segundo livro dos Macabeus não pensa em renunciar ás entranhas que lhe foram arrancadas; faz questão em tê-las para o dia da ressurreição dos mortos – isso é bem judeu. Os primeiros cristãos estavam em longe da idéia das penas eternas, pensavam estar livres da “morte” e esperavam, dia após dia, uma metamorfose e não mais a morte. Que estranha impressão deve ter produzido a primeira morte entre essas pessoas que estavam à espera! Que mistura de espanto, de alegria, de duvida, de pudor e de paixão! – Esse é verdadeiramente um assunto digno do gênio de um grande artista! São Paulo no conseguiu dizer nada melhor em louvor do seu Salvador, a não ser que ele tinha aberto a cada um as portas da imortalidade – ele no acreditava ainda na ressurreição daqueles que não estavam salvos; mais ainda, em razão da sua doutrina da Lei impossível de cumprir e da morte considerada como conseqüência do pecado, suspeitava até que ninguém realmente se havia tornado até o presente imortal, salvo um reduzido número, um pequeno número de eleitos pela graça e sem méritos; somente agora a imortalidade começava a abrir as suas portas – e poucos eleitos teriam acesso: o orgulho do eleito não pode deixar de acrescentar essa restrição – em outros lugares, onde o instinto de vida não era tão forte senão entre os judeus e os judeus cristãos e quando a perspectiva da imortalidade não parecia simplesmente mais preciosa que a perspectiva de uma morte definitiva, o acréscimo, pagão é verdade, mas no totalmente anti-judaico, do inferno se tornou um instrumento propício nas mãos dos missionários: então surgiu essa nova doutrina segundo a qual o pecador e o excluído da salvação eram também eles imortais, a doutrina da condenação eterna e esta doutrina foi mais poderosa que a idéia da morte definitiva, que começou a declinar a partir de então. Foi a ciência que teve de reconquistar essa idéia, recusando simultaneamente qualquer outra representação da morte e toda a espécie de vida no além. Tornamo-nos mais nobres em relação a uma coisa interessante: a vida “depois da morte” já não nos interessa! – um indizível beneficio que é ainda demasiado recente para ser considerado como tal no mundo inteiro. – E Epicuro triunfa de novo!

‘Friedrich Nietzsche’

NOSSAS APRECIAÇÕES

Todas as nossas ações se ligam a maneiras de apreciar; todas as nossas apreciações de valor nos são próprias ou são adquiridas. – Estas últimas são as mais numerosas. Por que as adotamos? Por receio: isto é, nossa prudência nos aconselha a ter a predisposição de tomá-las como nossas – e nos habituamos a essa idéia, de tal modo que ela acaba por se tornar a nossa segunda natureza. Ter uma apreciação pessoal: isto não significa medir uma coisa em função do prazer ou desprazer que nos causa, a nós e a ninguém mais – mas isso é algo extremamente raro! É preciso pelo menos que a apreciação que temos do outro e que nos impede a nos servir, na maior parte dos casos, de suas apreciações parta de nós e seja nosso próprio determinante. Mas essas determinações, nós as criamos durante a nossa infância e raramente mudamos de opinião a seu respeito; no mais das vezes somos guiados, por toda a vida, por juízos infantis aos quais nos habituamos, nascendo assim a maneira como julgamos o próximo (seu espírito, sua posição, sua moralidade, seu caráter, o que ele tem de louvável ou de condenável) e sentimo-nos obrigados a render homenagem a suas apreciações.

‘Friedrich Nietzsche’

LUTERO, O GRANDE BENFEITOR

O resultado mais importante da ação de Lutero foi ter despertado a desconfiança em relação aos santos e a toda a vida contemplativa: somente a partir da sua época o caminho que leva a uma vida contemplativa não cristã foi novamente tornado acessível na Europa e um freio foi posto ao desprezo da atividade laica. Lutero, que se manteve um bom filho de mineiro depois de ter entrado no convento, onde, na falta de outras profundezas e de outros “filões”, ele desceu em si mesmo para ali cavar terríveis galerias subterrâneas – Lutero percebeu finalmente que uma vida santa e contemplativa lhe era impossível e que; a “atividade” que tinha desde o nascimento lhe minaria o corpo e a alma. Durante muito tempo tentou encontrar à custa de mortificações o caminho que leva à santidade – mas tomou por fim uma decisão e disse para consigo; “Não existe verdadeira vida contemplativa! Nós nos deixamos enganar! Os santos não valem mais do que nós todos”. – Essa era, é verdade, uma maneira bem rústica de ter razão – mas, para os alemães dessa época, era a única verdadeiramente apropriada: como ficaram edificados ao poder ler no catecismo de Lutero: “Fora dos dez mandamentos, não há obra que possa agradar a Deus – as obras espirituais tão elogiadas dos santos, são puramente imaginarias!”

‘Friedrich Nietzsche’

IN HOC SIGNO VINCES!

Qualquer que seja o Grau de progresso que tenha alcançado a Europa em toda a parte, em matéria religiosa não atingiu ainda a ingenuidade liberal dos antigos brâmames, o que prova que na Índia, há quatro mil anos, se refletia e se transmitia aos descendentes mais prazer na reflexão do que nós hoje. De fato, esses brâmames acreditavam em primeiro lugar que os sacerdotes eram mais poderosos que os deuses e, em segundo lugar, que era nos costumes que residia o poder dos sacerdotes: é por isso que seus poetas não se cansavam de celebrar os costumes (súplicas, cerimônias, sacrifícios, cantos, melopéias) que consideravam como os verdadeiros distribuidores de todos os benefícios. Seja qual for o grau de superstição e de poesia que se misturem a isso, os princípios permanecem verdadeiros! Um passo a mais e os deuses seriam jogados de lado – o que a Europa deverá igualmente fazer um dia! Ainda outro passo e se poderia também dispensar os sacerdotes e os intermediários; veio o profeta que ensinava a religião da redenção por si mesma, Buda; - como a Europa está longe ainda deste grau de cultura! Quando finalmente todos os hábitos e costumes em que se apóia o poder dos deuses, dos sacerdotes e dos salvadores forem aniquilados, quando, portanto, a moral, no sentido antigo, tiver sido morta, então virá – o que virá exatamente então? Mas não procuremos adivinhar, procuremos antes a captar o que, na Índia, no meio desse povo de pensadores, foi considerado, há alguns milhares de anos, como o mandamento do pensamento! Há hoje talvez dez a vinte milhões de homens, entre os diferentes povos da Europa, que “não acreditam mais em Deus” – será demais desejar que eles se transformem em sinal? Desde que se reconheçam assim a eles próprios, far-se-ão conhecer também – serão imediatamente uma força na Europa e felizmente uma força entre os povos! Entre todas as classes! Entre os pobres e os ricos! Entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem! Entre os inquietos e os pacíficos, os pacificadores por excelência!

‘Friedrich Nietzsche’

NIETZSCHE – MOMENTO 2008-06-04

Tal como Nietzsche, também eu fui filólogo, e talvez ainda o seja, em muitos, e muitos momentos da minha vida. Sou, assumo que sou; um especialista em leituras lentas, e que acabo por também escrever lentamente. Não escrevo nada que não me deixe ter tempo de escrever, para assim me poder manter afastado, analisador, tomar tempo, tornar-me silencioso, uma arte que requer um trabalho subtil e delicado e que não se pode realizar com total exatidão, paixão, orgasmo prazeroso se não for feita com a necessária lentidão.

João Massapina

http://afilologia.blogspot.com/


DUVIDAR QUE SE DUVIDA

“Que travesseiro fofo é a duvida para uma cabeça bem feita!”
Estas palavras de Montaigne, (Michel Eyquem de Montaigne, (1533-1592), escritor e pensador francês, a citação é extraída de uma das suas obras – Ensaios III, XIII) sempre exasperaram Pascal, (Blaise Pascal, (1623-1662), matemático, físico e filosofo francês), pois ninguém como ele tinha exatamente tanta necessidade de um travesseiro fofo. A que se referia isso, pois?

‘Friedrich Nietzsche’

NUNCA A CERTEZA É ALGO CERTO...

Nunca a certeza que temos nisto, ou naquilo, pode ser considerado como algo certo, certíssimo, exato, pois que na última da hora tudo pode mudar, e aquilo que antes era certo vira incerto. A importância de um travesseiro fofo para repousar uma cabeça pensadora é algo determinante para amadurecer idéias, projetos, e até mesmo vinganças...
Bom! Neste último caso, mais do que amadurecer ou projetar, trata-se de esfriar, pois uma vingança serve-se sempre como prato requintado e frio, e no momento e hora certa!
Nunca se deve ter a certeza de nada, e deve-se duvidar sempre, até que tenhamos a certeza de que é exatamente aquilo que está correto, daí que no caso das vinganças, elas se devem servir frias, para não se cometer erros de juízo de valor, e muito menos, para o prato ser servido ainda a quente, o que normalmente provoca má digestão...
A história de um travesseiro fofo para uma duvida não é mais do que a possibilidade de se deixar dormir, e acabar por não pensar exatamente o que importava.
No entanto, eu que gosto de travesseiros grandes, duros e altos, discordo, pois que; nada existe de melhor do que uma boa noite de tranqüila meditação, sobre um travesseiro aconchegante, aos nossos gostos. É muitas vezes é ai que medito na resolução das questões, e que sem duvida arquiteto as vinganças que posso e devo levar a efeito.
Podem perguntar:
Mas afinal este gajo vive de vinganças?
Na verdade, todos nos vivemos um pouco disso mesmo. Observem:
O padeiro nos entrega o pão da manhã que é uma lastima. Nós vamos vingar-nos; e na manhã seguinte o dispensamos e mudamos de padaria fornecedora. Você acha mesmo que; alguém de bom senso vai andar toda uma vida a comer um pão que é uma lastima, podendo mudar e comer algo que se veja?
O almoço naquele restaurante, aonde ia á mais de 10 anos, cada dia estava a ficar mais mal confeccionado, e mais caro. Nada melhor do que mudar para aquele bar agradável que fica mesmo ao lado, e que serve uns almoços de se tirar o chapéu, mas o importante é passar mesmo na porta do antigo restaurante, e que o dono nos veja entrar no vizinho concorrente.
Então, você acha que é educado, manter a tradição só porque já estamos habituados aos bifes duros que nem cornos, e aos passeios das baratas nas montras?
O chefe lá no escritório é uma autentica ‘peçonha’, estamos a aturar o indigente é anos a fio, então nada melhor que mudar de empresa sem lhe passar cartucho. Ou, diria; melhor ainda; conseguir uma promoção, que nos coloque acima dele na hierarquia, ai sim, vai ser a vingança total, poder mandar o gajo apanhar betas na parada do elétrico da Graça para a Praça do Martim Moniz, lá bem no meio da malta que vem da China e dos Palops.
Nem acredito! Você vai suportar o ‘zé preguiça’ do seu chefe, só porque o tipo quando o Benfica ganha, aparece bem disposto no escritório á segunda-feira? Tenha dó, faça a sua vingança, e depois até tenha esperança que o “glorioso” perca muitas vezes, só para ver a “fucinheira” dele do tamanho da estatua do Marques de Pombal!
E a minha sogra. Há a ‘cobra’ anda a azucrinar-me a cabeça desde a véspera do casamento. Agora esta doente, e necessita de ser transportada para as consultas. Pois o carro passa a avariar sempre que é necessário, e que vá de táxi ou a pé, para ver se cura rápido a maleita, e a posso visitar no jardim do Alto de São João...
Tenha paciência, pois isto de ‘Sogra’ é algo do outro mundo. Entao você anda a aturar a sua á mais de 30 anos, e faz tudo o que ela manda, incluindo deixar de ver o futebol sempre que ela aparece para assistir á novela, e ainda por cima a leva a comer uns bolinhos á Havaneza da Graça. Eu nem acredito! Você não sabe mesmo que uma sogra boa, é aquela que podemos visitar só uma vez por ano, lá para as bandas do di de finados, para lhe levar umas flores?!
Mas vingança boa mesmo é poder evitar matar o vizinho do 16º - B, que estaciona o carro todos os dias, a bloquear o meu. A melhor forma de vingar essa obstrução auto é visitar a sua magnífica esposa, e dar-lhe uns conselhos de condução ao vivo, enquanto o “Fangio” anda a estacionar de propósito em cima dos passeios da Avenida 5 de Outubro, só para não pagar o parque subterrâneo, ou colocar a moedinha no papa ‘pilhas’ da EMEL. Enquanto ele brinca com os peões, fazendo quase o mesmo que faz comigo, e com a malta do prédio, eu aproveito para montar uns pneus novos na sua carroçaria caseira...
E no dia seguinte, até me posso dar ao luxo de pensar alto e bom som: “Vá ‘corno manso’ estaciona mal, vá estaciona mal... que ela já sabe estacionar bem o carro cá do vizinho na garagem...”
Agora é que eu fico mesmo a duvidar de si! Então o seu vizinho risca-lhe o carro; bloqueia todos os dias a sua saída da garagem, e você perde preciosos minutos a tentar resolver a situação, e ainda por cima ele tem uma esposa “boa como o milho” e que gosta de receber umas visitas da vizinhança, e você não aproveita para desfrutar um pouco? Eu nem acredito?! Das duas uma, ou você virou masoquista ou gay!
Vingança é algo que surge a cada minuto, e nem necessita de almofada para se meditar!
Eu, seja por causa do signo astrológico, seja pelo que for, adoro uma boa, e bem cozinhada vingança. E quanto mais elaborada e demorada no tempo, melhor, pois tal como as feijoadas fica sempre mais apurada...
Quanto a almofadas? Bom; eu cá prefiro mesmo as mais duras, e altas... Posso meditar melhor, e duvidar que se dúvida!...
Há! Já me esquecia, uma última recomendação:
Se decidir visitar a esposa do “Fangio” tente sempre bloquear a entrada do espaço de estacionamento dele, pois assim ele vai ficar tão irritado quando chegar, que você vai escutar no 16º – B o som da buzina do carro dele... pois é sempre bom duvidar!!!

‘João Massapina’

sábado, 31 de maio de 2008

A SINCERIDADE DA LOUCURA

Sequer havia necessidade de dizê-lo. Eu me revelo, como já se disse, com o meu rosto de meus olhos e, se alguém quisesse me tomar por Minerva ou pela Sabedoria, eu o haveria de desiludir sem palavras, por um só olhar que é o espelho menos mentiroso da alma. Não uso disfarce, não dissimulo no rosto o que não sinto no coração. Sou sempre igual a mim mesma. Não ponho a mascara, como aqueles que pretendem representar um papel de sábios e andam desfilando como macacos vestidos de púrpura e como asnos com pele de leão. Que se vistam com disfarces quando quiserem, que as suas orelhas sobressalentes revelarão sempre um Midas oculto.
Na realidade, é uma espécie ingrata de homens, conquanto pertencentes à minha clientela, espécie que se envergonha publicamente do meu nome, mas ousa aplicá-lo a outros como ofensa. Esses são os mais loucos, os morotatoi [arquiloucos, superloucos], que querem passar por sábios, como se fossem Tales (Tales de Mileto [636-546 a.c.], matemático e filosofo, um dos sete sábios da antiga Grécia). Não deveríamos portanto, chamá-los morosophoi, sábios loucos?

‘Erasmo de Rotterdam’


E SER LOUCO É...

Ser louco é ser São, e conseguir pensar livremente, sem que alguém nos possa materializar idéias, pré-concebidas, deturpando assim aquilo que realmente pensamos...
Sim, ao contrario do que muitos possam imaginar um verdadeiro “Louco” realmente pensa. Pensa até muito mais do que um cidadão dito normal. Um louco não mente, diz aquilo que realmente sente e pensa. Não vai dizer que está bom, quando lhe dói a cabeça, só para agradar a quem o está a escutar. Não vai deixar de gritar, apenas porque alguém quer silencio, não vai dizer que a Sogra é boa gente, quando ela não passa de uma “filha da puta”, não vai dizer quer a vizinha é bonita e simpática quando na realidade todos estão a ver que é feia como a noite dos trovoes e antipática como um fiscal das finanças....
Um louco, verdadeiramente louco, é aquilo que de mais verdadeiro se pode encontrar no planeta, e apenas lhe chamam louco, porque têm inveja de não conseguir ser como ele; verdadeiros, frontais, e então são dissimulados, escondem-se por detrás de capas ridículas, são os tais sábios que Erasmo tão bem retrata, e que não passam mesmo de uma imensa clientela de faz de contas... que se armam em Sãos...
Quando escutamos a seguinte frase
“O tipo diz tudo que nem um louco...”
... não estamos mais do que a ouvir a realidade, e ao invés do que se possa pensar, a escutar um elevado elogio, pois ser louco é ser eu próprio, sendo verdadeiro, e totalmente frontal... sendo louco (para os outros) obviamente.
Há como é bom ser louco!!!

‘João Massapina

sexta-feira, 2 de maio de 2008

SIGNIFICAÇÃO DA LOUCURA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE

Se, apesar desse formidável jogo da “moralidade dos costumes”, sob o qual viveram todas as sociedades humanas, se durante milênios antes da nossa era e mesmo no curso desta até os nossos dias. (nós mesmos vivemos num pequeno mundo de exceção e, de algum modo, na zona má) – idéias novas e divergentes, avaliações de juízos de valor contrários nunca deixaram de surgir. Isso só ocorreu porque estavam sob a égide de um salvo-conduto terrível: quase em toda a parte, é a loucura que aplana o caminho da idéia nova, que levanta a proibição de um costume, de uma superstição venerada. Compreendem por que foi necessária a assistência da loucura? De qualquer coisa que fosse tão terrificante e tão incalculável, na voz e nos gestos, como os caprichos demoníacos da tempestade e do mar e, por conseguinte, tão dignos como eles do temor e do respeito? De qualquer coisa que levasse como as convulsões e a baba do epilético, o sinal visível de uma manifestação absolutamente involuntária? De qualquer coisa que parecesse imprimir ao alienado o sinal de alguma divindade, da qual ele parecesse ser como a máscara e o porta-voz? De qualquer coisa que inspirasse, mesmo ao promotor de uma idéia nova, a veneração e o temor dele próprio e não já remorsos, e que o impelisse a ser o profeta e o mártir dessa idéia? – Enquanto em nossos dias nos dão sem cessar a entender que o gênio possui, em lugar de um grão de bom senso, um grão de loucura, os homens de outrora estavam muito mais perto da idéia de que lá onde houver loucura, há também um pouco de gênio e de sabedoria – qualquer coisa de “divino”, como se murmurava ao ouvido. Ou melhor, afirmava-se mais claramente: “Por meio de loucura, os maiores benefícios foram derramados sobre a Grécia”, dizia Platão, filosofo grego, numa citação do livro Fedro, com toda a humanidade antiga. Avancemos ainda um passo: a todos esses homens superiores, impelidos irresistivelmente a romper o jugo de uma moralidade qualquer e a proclamar leis novas, não tiveram outra solução, se não eram realmente loucos, que se tornarem loucos ou simular a loucura – Isso vale para todos os inovadores em todos os domínios e não somente naqueles das instituições sacerdotais e políticas: - até mesmo o inventor da métrica poética teve de se impor por meio da loucura, segundo relata Platão na sua obra Íon. Até épocas bem mais tranqüilas, a loucura permaneceu como uma espécie de convenção entre os poetas: Sólon recorreu a ela quando inflamou os atenienses para a reconquista de Salamina, segundo que narra Plutarco, historiador grego, da vida de Sólon. – “Como alguém se torna louco quando não o é e quando não tem a coragem de fingir que o é”.
Quase todos os homens iminentes das antigas civilizações se entregaram a esse espantoso raciocínio; uma doutrina secreta, feita de artifícios e de indicações da inocência e mesmo da santidade de tal intenção e de tal sonho. As fórmulas para se tornar “homem-medicina” entre os índios, santo entre os cristão da Idade Média, “anguécoque” entre os groenlandêses, “pajé” entre os brasileiros são, em suas linhas gerais, as mesmas; o jejum além dos limites, a prolongada abstinência sexual, o retiro no deserto ou no cimo de uma montanha ou ainda no alto de uma coluna ou também “a permanência num salgueiro velho à margem de um lago” e a ordem de não pensar em outra coisa senão naquilo que pode desencadear o êxtase e a desordem do espírito. Quem ousaria, portanto, lançar um olhar no inferno das angustias morais, as mais amargas e as mais inúteis, onde provavelmente definharam os homens mais fecundos de todos os tempos! Quem ousaria escutar os suspiros dos solitários e dos transviados: “Ah! Dêem-me ao menos a loucura, poderes divinos! A loucura para que termine finalmente por acreditar em mim mesmo! Dêem-me delírios e convulsões, horas de claridade e de trevas repentinas, aterrorizem-me com arrepios e ardores que jamais mortal algum experimentou, cerquem-me de ruídos e de fantasmas! Deixem-me uivar, gemer, rastejar como um animal: contando que adquira a fé em mim mesmo! A dúvida me devora, matei a lei e tenho por lei o horror dos vivos por um cadáver; se não sou mais do que a lei, sou o último dos réprobos. De onde vem o espírito novo que está em mim, se não vem de vocês? Provem-me, portanto, que eu lhes pertenço! Só a loucura a mim o demonstra”. E muitas vezes esse fervor atingia o seu objetivo: na época em que o cristianismo dava amplamente prova da sua fecundidade multiplicando os santos e os anacoretas, imaginando assim que se afirmava a si mesmo, havia em Jerusalém grandes estabelecimentos de alienados para os santos naufragados, para aqueles que haviam sacrificado o seu último grão de razão.

Friedrich Wilhelm Nietzsche

Da loucura nasceu sempre a razão...
Bom, não é bem assim, mas tem algum fundo de veracidade, se pensarmos, que todas as grandes descobertas da humanidade, passaram inicialmente por estágios de grande desconfiança, e de clara afirmação de insanidade mental dos seus mentores.
Veja-se, por exemplo, o dia em que alguém afirmou que a terra era redonda, e as cabecinhas pensadoras daquela época, sobretudo os religiosos que entendiam, que toda e qualquer verdade tinha quer ser exclusivamente a sua, vieram dizer, e afirmar para tudo e todos eu era mentira.
Claro que nessa época, para eles a terra era plana, e tinha uma extensão sem fim.
Melhor ainda, tinha fim, realmente assim que colocavam os pés dentro de água, pensavam que ali era o principio do fim, pois dali para diante seria só água.
Com as descobertas marítimas, a coisa evoluiu, mas pouco, diga-se, pois passaram a acreditar que afinal o fim não era na água, mas para lá da água...
Como sempre surgiam os dogmas, sobre o que existia para além da água!
Quando vieram apresentar a teoria de que a terra girava, então foi o fim, e o gênio dessa descoberta; bom! Coitado, teve que dizer que a verdade era mentir, e que estava mesmo louco.
Pronto, surgiu assim mais um louco, entre tantos gênios loucos.
Mas ninguém pense que a importância da loucura, era para certos setores religiosos, só importante na Idade Media, pois que mesmo nos dias de hoje, se pode chamar de loucos, indiretamente, entre muitos outros, os cientistas.
Se alguém responsável vem a terreno dizer que é importante, algo tão simples como a utilização do preservativo masculino, para evitar a disseminação de doenças sexualmente transmissíveis, tais como a AIDS, isso é desde logo entendido como loucura, pois que o sexo, é o dos anjos, e só pode e deve ser feito, por estes, o resto é reprodução, e sempre feito entre o casal, que nunca por nunca pode pular a cerca, para dar uma saltada a satisfazer os seus apetites mais naturais com a vizinha, ou ...
Como a vizinha é pura e casta, e claro só vai ter relações com aquele vizinho, vira anjinho, branquinho, com asinhas, e tudo bem!
O que acontece no interior das sacristias, por esse mundo afora, é dentro do principio da maior santidade possível, e jamais pode ser atido como pecado...
Para os religiosos, já no tempo em que dizem que o cristo andou á pregar na terra, isso era só santidade, e veja-se por exemplo, Maria Madalena, só existe quando convêm, pois quando se torna incomoda é escondida...
Mas quem será mesmo que está sentada(o) ao lado direito do Cristo nas reproduções da última ceia?...
Para todos aqueles que não são cegos, mas podem ser tidos por loucos; é uma mulher, para os outros, que não querem ver pelos seus próprios olhos, é simplesmente mais um dos apóstolos...
Então como eu não sou cego, prefiro ser louco, e dizer o que realmente lá esta...
Observem bem, não é mesmo a Maria Madalena?!
Porque será que para a maioria das religiões, a mulher é considerada um ser inferior?
Mais uma vez prefiro ser tido por louco e considerar que somos iguais em importância para a humanidade.
Então não será precisamente por essa igualdade de importância que existem homens e mulheres?
Porque será que a humanidade esta contaminada com uma enormidade de doenças sexualmente transmissíveis?
Resposta, por exemplo, da igreja católica:
Porque não se mantiveram castos e puros, e em obediência a uma e um só relação, e outras razões dignas de um folhetim para passar na hora infantil das TV’s do terceiro mundo, que apontam como as causadoras de todo o mal que vem ao mundo.
Digo eu:
Porque a humanidade vive aceleradamente, busca a compensação do tesão diário, do estresse, e para isso não olha a meios para atingir os seus fins. O sexo é para muitos uma compensação para toda a vida que levam, e se não se tomam certos cuidados e se respeitam alguns limites, pois os risco que se correm, podem levar a esse tipo de acidentes, tal como um condutor que não respeita a velocidade limite recomendada, ou mesmo um padre que jurando abstinência sexual, como acontece em todo o lado, exemplo mais recente nos EUA, ultrapassa os seus limites, e muitas vezes até para além do que esta consignado como normal.
Logo, esses passam também a entrar no mundo da loucura.
Quem não respeita regras ou convenções, é louco!
Quem tem idéias fora do comum, é louco!
Quem não cumpre as regras estabelecidas, e veste uma blusa encarnada no dia das blusas amarelas, é louco!
Quem anda calçado na praia, é louco!
Quem anda descalço no meio do alcatrão da avenida, é louco!
Quem beija a esposa em público, e lhe diz alto e bom som: Te Amo, é louco, pois isso é para se dizer em casa...
Quem é anti, anti, anti sistema é louco!
Mas afinal quem neste Mundo é realmente são da ‘cuca’? Quem não é nem um pouquinho louco?
Nietzsche já adivinhava a importância da loucura, em tudo o que o mundo viria a viver após ele. Estávamos a falar de loucura cientifica, pois vamos continuar:
O homem chegou um dia á Lua!
Pois nessa época, já eu era vivo, e sobretudo; os padres, afirmavam que era mentira, tratava-se de uma montagem feita em estúdio, feita só para apoiar as idéias de uns loucos, que queriam explorar o espaço...
Os cientistas evoluíram no estudo das células tronco, e outras descobertas sensacionais. Mas para alguns isso é trabalho de loucos, e deve ser banido, parado, destruído.
A humanidade esta bem assim, até já evoluída demais para o seu gosto.
São todos uns loucos!!!
Porque será que do macaco quadrúpede, e que não dobra os polegares, chegamos até aqui?
Porque será que somos agora bípedes?
Porque será que dobramos os polegares?
Porque será que ninguém começou a exterminar á muitas centenas de anos os primeiros loucos?
Quem sabe a humanidade ficasse lá bem atrás no tempo, sem nada do que temos hoje, e vivesse hoje numa caverna aquecida com uma simples fogueira. NÃO...
Como isso seria possível, se ninguém ia arriscar descobrir o fogo, pois seria loucura!
Sabem: olho para o que Nietzsche escreveu sobre a loucura, e sinceramente, acho que ele tinha razão, em querer uivar, gemer, gritar, e ser lá bem no fundo do seu ser um verdadeiro louco...
Eu gosto de ser louco!
Adoro ser louco!
Mas deixo um pergunta no ar:
Se eu sou louco, e gosto de ser louco, então como é ser ou ficar maluco?
É que; diz-se, que um maluco, não é mais do que um doido, alguém que parece apalermado, ou extravagante.
Um louco é alguém que perdeu a razão, um alienado, temerário, estróina, brincalhão, travesso, apaixonado, furioso, e ate mesmo uma planta da família das Plumbagináceas, que também chamam de queimadeira.
Sendo assim, e uma vez que eu, por exemplo, tenho um pouco de todos estes estados descritos acima, exceto me sentir planta, então eu sou realmente um Louco.
Que maravilha! Eu sou louco!
Divinal!
Então e como é que é não ser louco?
Será um tipo que é sempre certinho, nunca perde a paciência com nada, tem medo de tudo, ou não tem medo de nada, não brinca com absolutamente nada, não faz nem nunca fez travessuras, não se apaixona, nem tem sentimento algum.
Caracas!!!...
De repente, ao ver as varias situações, descobri o que é não ser louco:
É ser assim como uma pedra!
Está correto, sim! Então tanto eu sou Louco como o Nietzsche foi felizmente um dia um grande e saudável louco!
Viva a loucura na construção da humanidade, sem ela hoje nem poderia ter escrito todas estas loucuras, bem amalucadas e bem doidas, que espero sinceramente que algum maluco saudável como eu goste...
Sabem como sou louco, descobri que a loucura foi uma criação de alguns loucos, que abraçaram a religião para se considerarem sãos da ‘Cuca’, mas que lá bem no fundo talvez que sejam um tudo nada só, um pouquinho; menos loucos que eu.
Mas realmente eu prefiro ser assim como sou, LOUCO...
Tem sido graças aos loucos e as suas loucuras que hoje estamos ainda aqui!

‘João Massapina’