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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Até hoje não caiu

Tratou-se da questão da falésia que soterrou cinco pessoas em Albufeira. Está a ser destruída, agora que cumpriu o seu destino e das cinco pessoas que se abrigavam à sua sombra, não mais acolhedora. Tinha um aviso cimeiro, indicando “perigo”. Mas nós não estamos habituados a obedecer, que nos faltou a disciplina de deveres e direitos cívicos na escola. Esses terão que ser ministrados na família, mas com a desorganização dos lares, andamos todos à balda e, por vezes mesmo, vamos parar aos Manes, sem passar pelos Penates, à conta da desobediência.

Até contei à minha amiga que costumamos encontrar um pai e uma filhita no café, desde a cadeirinha de bebé. A mãe é alemã, às vezes também aparece, o pai talvez seja um inglês, que fala bem português mas tem uma postura diferente dos pais portugueses. A criança já anda e corre atrás do meu Fox, e há dias afastou-se demasiado. O pai não se mexeu, sombra protectora, de pé, velando. Disse apenas: “Para aí não”. A criança virou-se, olhou para ele, e voltou. Os nossos meninos teriam ouvido várias vezes chamar, as mães teriam corrido atrás, teriam gritado em alvoroço de pânico. E a criança mais correria, na desobediência da sua liberdade – nós dizemos personalidade, cedo ainda para lhe chamar democracia – até ser apanhada, às vezes com uns açoites inúteis, porque não educativos, fruto apenas do nosso transtorno nervoso. Não, não estamos habituados a uma obediência que respeite normas. Somos brandos, individualistas, sem educação. E gritamos demais, com a indiscrição do nosso atraso.

Tudo isto a propósito das pessoas que se sentaram, pela última vez na vida. À sombra de uma falésia com inútil aviso de perigo.

Mas a minha amiga estava indignada.

- “Nasce-se com o destino”, disse agnoniada, bem no rasto do nosso fado triste.

- “Destino marcado!”, acrescento, sorumbática.

- “É muito perigoso, aqueles pedregulhos semeados em toda a costa algarvia. O que fazia aquele morro ali no meio? Aquele morro devia ter sido tirado. Até hoje não caiu. Chegou-se à conclusão de que não estão em condições. Vão deitar abaixo. Costumam cair mais no inverno, não no verão. Mas no inverno ninguém lhes procura a sombra.”

- “A ASAE devia tomar conta, que é mais eficiente no tratamento das falhas” digo eu no descontentamento sem tréguas contra tantos podres no nosso país.

- “Mas não as tectónicas. Eles têm uma coisa a que se agarrar: tiveram um sismo. Pobre gente! Nasce-se com o destino! Agora também compreendi porque é que não se alerta mais: porque não se pode estragar o turismo. Não se pode avisar que é perigoso. Desde Lagos, toda a Costa Azul é rocha e barro. Todas as praias têm aquilo. Mas não se pode avisar. Agora andam a ver se há mais falésias fósseis a ruir.

-“ Mas as pessoas voltam a sentar-se, não à sombra da bananeira ou da faia, que essas estão a arder, mas da rocha.”

-“ Pois! Elas pensam que não volta a acontecer. Não acontece no mesmo dia nem no mesmo ano! Não volta a acontecer é o que pensam. Por isso estar o aviso ou não estar é o mesmo. Só vedando: “Aqui não passas!”. Alguém sabia que estava a correr perigo de vida? E as pessoas brincam, e levam as crianças para as grutas, na aventura de entrar em castelos fictícios...”

-“ Mas há dias li um comentário sobre os tais avisos, informando que muitos há entre nós que não sabemos ler. Daí que sejam inúteis avisos destes. Mas o seu pessimismo foi porque não ouviu o nosso Primeiro Ministro, acho eu. Sobre o nosso actual sucesso escolar.”


"Berta Brás"

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