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quinta-feira, 8 de julho de 2010

Abaixo a cristiano-ronaldização do país!

É sempre uma grande chatice convencer o meu filho João, que tem sete anos, a fazer os trabalhos de casa. Eu e a mãe bem nos esforçamos para o fazer compreender que precisa de aprender para no futuro ter uma vida melhor. Mas a antiga eficácia deste argumento desmorona-se como um castelo de cartas quando ele nos responde: «Eu não preciso de estudar porque quando for grande vou ser jogador de futebol».
O João frequenta aos sábados de manhã a Escola de Futebol Hernâni Gonçalves. O treino é ponto alto da semana dele. Se queremos ver uma cara entusiasmada é olhar para a dele quando se está a equipar com os calções azuis e a camisola laranja, com o nome dele impresso atrás, acima do número 3 .
Eu sei que o João não vai ser jogador de futebol. O jeito que ele tem é escasso para ser bem sucedido na profissão que mais se valorizou no último quarto de século. Nunca como hoje os futebolistas ganharam tanto dinheiro e estiveram tão bem cotados socialmente.
Casar a filha com o Cristiano Ronaldo seria um sonho para a maioria dos pais. Mas há não muito tempo atrás, poucos eram os que não torciam o nariz face à hipótese de ter um futebolista como genro.
Não fico triste por o meu filho não ser como o Bruno Silva, o miúdo de oito anos que com seis já dava 30 toques seguidos na bola – e que depois de ter sido observado pelo Real Madrid acabou comprometido com o Benfica e o Sporting, uma trapalhada derivada do facto de ter um pai ganancioso que já se imagina com um Cristiano Ronaldo em casa.
Eu fico triste ao saber que no ano passado, só no concelho de Braga, 176 crianças abandonaram a escola primária para irem jogar futebol. E fico apreensivo quando leio nos jornais que o Rodrigo Bastos, das escolas B do Fermentelos, tem um contrato válido por quatro anos com o Sporting.
E mais apreensivo fico quando observo o comportamento de muitos pais nos torneios em que a equipa do João participa. Vivem o jogo dos miúdos como se tratasse da final das Champions e vestem a pele de Mourinho ao estarem permanente a gritar instruções aos filhos – «Sobe, sobe!», «Olha a marcação! », «Dá-lhe nas pernas». Olho para eles e sinto que olham o filho como um investimento e sonham ser os pais milionários de um novo Cristiano Ronaldo.
Eu sei que a febre pelo futebol não é uma excentricidade nossa. É um fenómeno internacional. Mas em Portugal a febre já atingiu o patamar perigoso dos 40º graus. Está três graus acima do que seria desejável.
A cristiano-ronaldização do Portugal é excessiva e perniciosa. Como português não gosto de me olhar para o espelho e ver a cara do Cristiano Ronaldo, que o diário britânico Observer diz (talvez com razão) que é «a face de uma nação» (a nossa).
Até o futebolista Lisandro Lopez reparou no fenómeno que numa entrevista ao La Nácion de Buenos Aires não resistiu a fazer humor com a situação: «O Ronaldo está em todos os cartazes da cidade, nas publicidades da televisão. Até o vês na sopa!»
Mas, para mim, o mais grave é que o Governo alimenta a febre. No final de 2007, quando vieram a Lisboa assinar o novo tratado da UE, os lideres dos nossos 26 parceiros europeus deram com uma cidade decorada com «outdoors» gigantescos com a cara de Ronaldo, da parola campanha promovida pelo Ministério da Economia que apresentava Portugal como a Costa Oeste da Europa.
No país europeu que mais aposta no Euromilhões, é criminoso que o Governo ele como heróis nacional um futebolista que teve sucessopor ter sido bafejado com um talento inato.
Para prosperar, Portugal precisa de mais conhecimento e de muito trabalho. Não podemos continuar dependentes de ganhar o Euromilhões de Bruxelas e sonhar que haja petróleo em Alenquer. Por isso, os exemplos a seguir que o Governo deveria apontar ao país devem ser os de um Belmiro de Azevedo, o filho de um carpinteiro que se tornou o maior empresário português – e não o de Cristiano Ronaldo que triunfou porque nasceu com bons genes.

Jorge Fiel

PS: Esta minha crónica foi publicada em 2008 no Diário de Notícias. Dois anos depois, penso cada vez mais o mesmo!

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