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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A caminho do Terceiro Mundo

Discute-se muito o país, perdem-se horas em debates televisivos estéreis, mas ainda ninguém constatou uma meridiana evidência: Portugal está a caminho do Terceiro Mundo.
Está a ‘terceiro-mundializar-se’.
Não temos muito que nos espantar: assim como há países do Terceiro Mundo que registam taxas altíssimas de crescimento e se preparam para aceder ao Segundo ou mesmo ao Primeiro Mundo, outros sofrerão a evolução oposta.
A roda do mundo é como os alcatrazes: se uns sobem, outros têm de descer.
É fácil constatar que Portugal está hoje muito pior do que estava há 30 anos: a indústria tradicional (vidro, têxteis, calçado, etc.) ficou obsoleta e não foi substituída por nada, a agricultura não resistiu às tropelias decorrentes da PAC, as pescas entraram em crise prolongada, a marinha mercante afundou-se, a construção naval fechou…
Faça-se o exercício contrário: o que estará melhor do que há 30 anos?
Talvez alguns serviços.
Mas aí, como se sabe, tudo é muito incerto porque a base é volátil.
Diz-se que as pessoas vivem melhor – e é verdade.
Mas isso à custa de quê?
De um brutal endividamento externo que não pode continuar e já vai condicionar as próximas gerações.
Mas o mais assustador – e me fez começar por dizer que estamos a caminho do Terceiro Mundo – é que esta decadência económica foi acompanhada por uma degradação generalizada das instituições.
Veja-se o que se passa na justiça, veja-se o que se passa na política, veja-se – até – o que se passa no desporto.
Na justiça a situação é mais do que calamitosa.
Não são só os casos Casa Pia, Apito Dourado, Operação Furacão, Freeport, Face Oculta – nenhum dos quais foi conduzido de forma célere, eficaz e que transmitisse a ideia de se ter feito justiça.
Não é só o facto de o PGR ser um homem que não se faz respeitar pelos subordinados e em cuja independência os portugueses deixaram de acreditar: cabe na cabeça de alguém, por exemplo, que não tenha sequer lido um processo tão relevante como o Freeport, que envolvia o nome do primeiro-ministro, e depois tenha anunciado um inquérito aos magistrados sob a sua dependência?
Parece mentira, mas não é só isto.
O problema mais grave da Justiça em Portugal é ter-se a sensação de que se instalou uma situação perversa e doentia: o PGR protege o primeiro-ministro, e o primeiro-ministro protege o PGR.
Porquê?
Porque a credibilidade de José Sócrates depende hoje em grande parte de Pinto Monteiro, e a continuidade de Pinto Monteiro depende hoje em grande parte de José Sócrates.
Se assim for – como parece – é de facto uma situação digna de uma república das bananas.
José Sócrates, com tantos casos em que está envolvido, também se assemelha cada vez mais a um chefe de Governo de um país do Terceiro Mundo – e o seu bom entendimento com Chávez não será puramente casual.
E que dizer de algumas figuras que circulam à volta do poder como Armando Vara, Rui Pedro Soares ou Paulo Penedos?
E que dizer de autarcas como Valentim Loureiro, Isaltino Morais, Avelino Ferreira Torres, Mesquita Machado ou Fátima Felgueiras?
Não os vemos sem dificuldade interpretando papéis em novelas mexicanas ou venezuelanas, no papel de personagens duvidosas?
De charuto na boca, usando métodos expeditos e mostrando pouco respeito pelas regras, alguns até são bons autarcas – mas têm indiscutivelmente mais a ver com figuras de certos estados sul-americanos do que com os países da União Europeia.
E que dizer do desporto?  Será compreensível uma Federação não conseguir desfazer-se de um seleccionador em que deixou de confiar?
E será normal um seleccionador receber com palavrões funcionários oficiais que estavam a cumprir a sua tarefa?
E será também normal que se ache este comportamento ‘normal’ – como vieram dizer o ex-primeiro-ministro Santana Lopes, e os presidentes dos dois maiores clubes portugueses, Pinto da Costa e Luís Filipe Vieira?
Já será tudo normal em Portugal?
É admissível que o seleccionador nacional, que devia constituir um exemplo para os jogadores e não só, se comporte de modo arruaceiro?
Achar-se isto ‘normal’ também é revelador sobre o estado do país.
Estamos a caminho do Terceiro Mundo.
A nossa economia está agonizante e não se vê maneira de inverter a situação; estamos a perder valores e referências; as nossas instituições estão em degradação acelerada e não se vê maneira de travar este processo.
A justiça mostra-se impotente e acolhe-se à sombra do poder político; o poder político protege a justiça e torna-a dependente do Governo; o desporto, para lá do que já se sabia, tem um seleccionador em que a Federação não confia, e que não respeita ninguém nem é respeitado; e pessoas responsáveis não vêem aqui nenhum problema.
Num país do Primeiro Mundo tudo isto provocaria um movimento de indignação.
Num país a caminho do Terceiro Mundo, as coisas nem estão tão más como isso.
Jose Antonio Saraiva

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