As descobertas dos estudos foram apresentadas em congresso da  Associação Norte-Americana de Antropologia Física, realizado de 12 a 16  de abril em Minneapolis, nos Estados Unidos.
Durante sua pesquisa de mestrado, realizado no Instituto de  Biociências (IB) da Universidade de São Paulo (USP), com Bolsa da  FAPESP, Strauss participou da exumação de 26 esqueletos humanos  sepultados no sítio arqueológico Lapa do Santo, em Minas Gerais, que foi  escavado nos últimos dez anos no âmbito do Projeto Temático "Origens e microevolução do homem na América: uma abordagem paleoantropológica", financiado pela FAPESP, e  coordenado pelo professor do IB, Walter Neves.
Ao analisar os esqueletos humanos, datados de 8.500 anos, Strauss  percebeu que os ossos apresentavam marcas de corte por instrumentos de  pedra, tinham sido expostos ao fogo ou receberam aplicação de ocre  (tinta marrom). Além disso, alguns esqueletos tinham membros amputados e  foram sepultados de forma desarticulada, juntando os ossos de vários  indivíduos, por exemplo.
Intrigado com a descoberta, Strauss e Pedro José Tótora da Glória,  doutorando em antropologia física na The Ohio State University,  revisitaram as coleções de ossos que foram escavados desde o início do  século 19 em outros sítios arqueológicos na região de Lagoa Santa, onde  está situada a gruta de Lapa do Santo. Os pesquisadores constataram que  os ossos compartilhavam as mesmas características dos encontrados em  Lapa do Santo.
“Identificamos um certo grau de sofisticação nos ritos mortuários  desses grupos, que eram bastante diversificados, tinham características  muito peculiares e uma forte ênfase na manipulação do corpo”, disse  Strauss à Agência FAPESP.
Além de ter os ossos cortados e marcados, os esqueletos também foram  organizados e dispostos nas sepulturas de acordo com regras muito  específicas. O crânio de um adulto, por exemplo, era enterrado com o  restante do esqueleto de uma criança, enquanto crânios infantis eram  sepultados com os ossos de pessoas maduras.
Em outros casos, os dentes de um indivíduo eram removidos para  adornar os restos mortais de outro. “Eles expressavam através da  materialidade do osso princípios dicotômicos que deviam fazer parte da  cosmologia deles”, analisou Strauss.
De acordo com o pesquisador, não se esperava que as práticas  mortuárias dos primeiros habitantes da América do Sul fossem tão  elaboradas, como revelaram as pesquisas.
Isso porque na antropologia havia uma ideia de que, pelo caráter  nômade dos caçadores-coletores pré-históricos, eles não despenderiam  tempo e energia para enterrar mortos. Mas a descoberta das múmias  Chinchorros no Chile, no início da década de 1970 e, agora, dos achados  em Lapa do Santo estão colaborando para demover essa ideia.
“Assim como os grupos em Lagoa do Santo, os Chinchorros também eram  caçadores-coletores. Ninguém esperava que grupos vivendo há mais de 8  mil anos na costa andina mumificassem seus mortos e que os grupos em  Lagoa Santa teriam rituais funerários elaborados”, disse Strauss.
Com base nessas descobertas, segundo o cientista, será possível  estabelecer um novo quadro regional para as práticas mortuárias na  América do Sul durante o Holoceno inicial, caracterizado não pela  simplicidade dos enterros, como se imaginava, mas pela sofisticação dos  ritos funerários, como foi comprovado pela manipulação do corpo pelos  grupos que habitaram Lagoa do Santo.
“Agora não dá mais para dizer que durante o Holoceno inicial as  práticas de manipulação do corpo estavam limitadas aos Andes, mas sim  que estavam dispersas por boa parte da América do Sul, incluindo as  terras baixas”, afirmou.
Peter Lund
No Instituto Max Planck, Strauss estuda evolução humana e,  paralelamente à sua pesquisa de doutorado, continua investigando as  práticas mortuárias sul-americanas.
Na Europa, o cientista pretende visitar as coleções escavadas pelo  naturalista dinamarquês Peter Lund (1801-1880) em Lagoa Santa para  tentar encontrar evidências de que elas apresentam as mesmas  características dos ossos escavados recentemente no sítio arqueológico  mineiro e que passaram despercebidos pelos arqueólogos que já haviam  passado por Lapa do Santo. As coleções de Lund estão no Museu de  História Natural da Dinamarca.
“Demos muita sorte porque a região de Lagoa Santa tem centenas de  cavernas que foram escavadas por equipes de arqueólogos. Lapa do Santo  era um sítio arqueológico virgem”, disse Strauss.
Os arqueólogos que escavaram a região mineira anteriormente podem não  ter atentado ao fato de que os ossos apresentavam marcas por terem  outros objetivos de pesquisa, como a coexistência do homem com a  megafauna e morfologia craniana. Além disso, não era possível  identificar essas características nos esqueletos com os métodos  disponíveis na época.
“Levamos mais de duas semanas para exumar cada sepultamento humano e  escavamos apenas cerca de 15% do sítio de Lapa do Santo. A ideia é  deixar material disponível para ser escavado no futuro, com novas  técnicas”, disse Strauss.
Mais informções sobre a pesquisa, clique aqui.Por Elton Alisson

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