Um  ensaio com semelhante título deveria constituir um debate alargado e  aprofundado de várias centenas de páginas. Os conceitos de religião e de  reprodução social são, por si só, controversos, estando a proposta de  trabalho que o título encerra em desacordo com as melhores hipóteses de  estudo do campo religioso. Desde que Tylor (1871) e Frazer (1887), na  perspectiva evolucionista e positivista (racionalista) do século XIX,  decidiram que a religião era o preâmbulo da ciência, o tema tem sido  debatido no campo do ideológico. As próprias contribuições de Marx e  Engels (1844, 1846, 1867, 1878, 1892) abordaram geralmente a religião  enquanto um conjunto de representações que desaceleram a passagem de uma  a outra forma de trabalho na história dos povos. Durkheim e a tradição  que fundou, prolongada em Malinowski, Radcliffe-Brown, Mauss e Lévi  Strauss, separam do campo do quotidiano os assuntos que constituem  matéria de acções e pensamentos que são criados mas não entendidos.         Esta distinção, que é minha e  que outorgo gratuitamente aos pensadores citados, ajuda-me a perceber  que é dela que se trata no estudo daquilo que  Bourdieu  (1971)   denomina a génese do domínio do religioso:
trata-se de identificar o conjunto das  crenças e o seu efeito sobre a conduta social. Crenças, ou  representações das relações sociais, como disse Durkheim (1912), mas não  acções, como disse Weber (1914-1915). Finalmente, Parsons (1944), bem  como o próprio Goody (1961) vêm esclarecer melhor o assunto quando  afirmam que o que se perdeu foi a perspectiva substantivista das  representações: que significa crença para o povo que a tem e não para o  observador que coloca a sua própria pergunta e saber na resposta. Quanto  a Max Weber (1892, 1904, 1921) penso que acerta, pelo menos, ao  destrinçar o tema do religioso num povo como o europeu, que o tem  desenvolvido, quando defende que as ideias da crença se encerram na vida  quotidiana a partir de um modo originado na vida material. O essencial  do capitalismo, nota na sua Ética, é desenvolver um processo de  acumulação que tem um fim em si, no qual a pessoa e a família, já  separadas historicamente do processo de trabalho, não comportam  transcendência alguma na criação da riqueza. As tensões entre a ideia de  salvação e pecado, acrescenta, são o que faz do cristianismo (do  religioso, portanto) um campo, de criação social. Penso que, como diz  Giddens (1976), estamos face a um tratamento materialista das ideias,  que, mais tarde, na Europa, Maurice Godelier virá a desenvolver ao  distinguir os domínios do ideal na realidade (1984).
         A verdade é que, seja  sociologicamente, seja na História, seja na Antropologia, e desde logo  no domínio das ideias políticas, o campo do debate é complexo. Por um  lado, trata-se de um assunto que afecta tanto o observado como o  observador; por outro, a experiência do religioso está relacionada com a  experiência do político. A Igreja (de qualquer denominação) e a  hierarquia de pessoas que a governa, acabam por governar o povo, e têm  intervindo de forma notória no desenvolvimento da História. Esta  intervenção não se dá apenas no conhecido campo da disputa teológica que  levou ao desenvolvimento da reforma e ao tão importante e similar da  contra-reforma, que mudaram a Europa e as suas colónias nos demais  continentes. Esta intervenção, dá-se num campo muito mais interessante e  descurado pelos cientistas sociais: o das classificações, não só as  totémicas de Durkheim (1903) e Lévi-Strauss (1962), mas o das acções,  seus graus e hierarquias. A Igreja acabou por ordenar uma experiência  humana, uma criação que as pessoas foram tecendo ao longo de séculos de  experiência com o trabalho e entre si, que lhes é devolvida na doutrina.  A importância do pensamento religioso radica na sua capacidade de  distinguir entre acções diferentes, classificá-las e conferir-lhes uma  hierarquia, que, aplicada à vida material através da história, da qual  emergem, acaba por ser uma teoria sancionada pela lei. O que a Igreja  faz com esta teoria é desenvolvê-la em metáforas de fé e divindade, em  analogias, nas quais a causalidade, o raciocínio experimental, está  ausente: é por esta razão que falo em crer e não em entender, quando  falo de religião. Crer passa a ser, sendo a forma de entender dentro das  categorias religiosas que o povo desenvolve, e a Igreja o de  sistematizar uma forma de raciocínio, diferente da do cálculo e do  lucro, que tem dois tipos de criadores: o povo que a pratica e a Igreja  que a controla. Por outras palavras, como a História nos diz – e Tawney  (1922) e Samuelsson (1959), entre outros, substantivam – no  desenvolvimento da História, o pensamento económico tem usado ideias  religiosas para mobilizar o processo da vida; no interior do grupo que  trabalha, trabalham ideias recolhidas pelo grupo, que dele se reproduzem  e que lhe entregam saber e meios. O que permite retomar o trabalho de  Firth (1959), que define a religião como a preocupação do homem com o  social e seus objectivos ou valor, concebidos em relação a entidades ou  poderes não especificados; sendo esta uma das formas de que a Igreja faz  uso para afirmar o seu poder.
         A questão, contudo, não assenta  apenas na capacidade, ou na prática, diria eu, de classificar acções que  o chamado pensamento religioso tem, bem como, na técnica em que este é  incarnado e aplicado à vida material. Podemos, actualmente,  pós-Althusser, estar de acordo com a afirmação de que o sistema  classificatório de acções, de pessoas e de coisas, como já desenvolvi  noutros textos, não é uma ideologia que trava o desenvolvimento do povo  (Iturra, 1987-c, 1987-e). O próprio Engels o foi reconhecendo (1878),  sendo que Marx (1848), quando se refere ao “ópio do povo”, fá-lo num  texto que salienta a profundidade e validade do pensamento religioso  como ideia que arquitecta o social e o desenvolve; e não como ideologia  anquilosada no tempo. Gramsci assim o entendeu (1965), quando falou do  conceito de religião popular. Reconhecemos, pois, há muito, que a  religião é uma ideia dinâmica e que não está apenas agonizando enquanto  pensamento, como Bryan Wilson e outros propuseram (1966). Descobrimos,  há algum tempo, que a religião é uma ideia mobilizadora do povo, como se  pode deduzir da prática e da teoria da teologia da libertação. Se  existe uma disputa tão forte entre o Vaticano e a igreja da América  Latina, ou se as revoluções como a francesa do século XVIII e as  europeias em diversos momentos, e várias de outros continentes no  presente século – época, dever-se-ia dizer –, estas disputas tratam,  antes de mais, de domar a crença, porque esta crença tem uma dinâmica  mobilizadora que pode mudar os acontecimentos. Foi esse o problema em  Cuba (Fr. Beto, 1985) e na Nicarágua (Fr. Beto, 1980) onde este facto  foi reconhecido atempadamente, o que contribuiu para o caos final no  Chile em 1973, entre outros povos da América Latina, sendo igualmente  decisivo nas Filipinas de Aquino e Singh. Parece ser esta a razão pela  qual a Revolução Francesa não guilhotinou a divindade, apenas a tornou  civil. Eu diria, que os liberais europeus se acautelaram contra uma  dinâmica social que não pertencia à ideologia, mas antes aos factos da  História, e incluíram na sua legislação os princípios de convivência  expressos desde sempre na doutrina, no caso francês e nos outros  europeus, tratando-se apenas de uma transferência de poderes. Esta é a  via da técnica do saber que enunciei na introdução deste parágrafo: se a  ideia religiosa é dinâmica, para preservar ou para revolucionar,  deve-se ao facto dela existir junto à experiência de vida das pessoas,  na memória das suas relações sociais que estão emotivamente cultivadas  na tradição oral do saber.
         A técnica de gerar, desenvolver e  transmitir saber é um facto, que é necessário considerar para falar do  religioso. Não é inócuo que o saber seja personalizado/oral ou  despersonalizado/escrito. A encarnação das ideias no corpo tem uma  valorização diferente das abstracções nos textos e nas formas  hermenêuticas de os interpretar. A técnica reprodutiva e ritual do saber  está inscrita nas relações sociais definidas nas linhagens às quais se  guarda respeito e amor, na continuação da vida na cidade dos mortos e no  arquétipo feito para a vida do espírito. Em síntese, é esta a previsão  que os homens do Ocidente cristão têm feito por meio das ideias  religiosas, incarnadas nas emoções como forma de saber.
         Uma das questões que diz  respeito aos grupos que desenvolvem o seu saber nas ideias da crença é a  existência das relações de parentesco, dos deveres morais entre eles  (parentes), que constituem, de facto, a linha organizadora das  possibilidades de circulação de pessoas e transmissão de bens. Em  relação a este aspecto, não se pode quase distinguir entre formas de  trabalho camponês e industrial. É verdade que ambos estão, enquanto  técnica de trabalho, situados em épocas e lógicas diferentes, mesmo  quando os seus tempos históricos coexistem na época actual. Penso que,  quando nos recordamos que o religioso está ligado à técnica com que os  seres humanos tecem as ideias que geram, devemos recordar também que  estamos perante uma divisão muito mais importante que aquela existente  entre trabalho camponês e trabalho industrial. Trata-se da divisão entre  um pensamento cíclico, que conhece por meio da experiência prática e  assim o transmite, e um pensamento experimental que controla o  antecedente dos fenómenos e pode assim reproduzi-los livremente. Este  último, desenvolvido há apenas quatrocentos anos e incrementado pela  experiência da tecnologia, é um pensamento eficaz despersonalizado,  guardado em signos que nem o camponês nem o trabalhador industrial podem  controlar. Não é suficiente trabalhar nas indústrias para ter acesso ao  pensamento positivista, ou para conhecer a técnica que faz mover as  máquinas, ou explicar a circulação do sangue no corpo. Este saber  letrado acumula-se em lugares especiais, de acesso restrito, como as  corporações, antigamente, ou a Universidade, hoje. Nesta última, até o  académico se arrisca a escapar à  reprodução do  saber se não tem   acesso ao computador, ao video-disc, ou à força nuclear. O  saber encarnado na vida é o universo de quem não tem acesso ao saber e à  sua produção, mas o saber letrado é sempre um mistério para o povo, que  controla e vigia as relações da ideia religiosa.
         Sempre me despertou a atenção,  nos trabalhos de campo que fiz no Chile, Escócia, Galiza e Portugal, a  forte adesão do povo às suas categorias parentais e classificação de  actividades. A construção das relações sociais e de trabalho faz-se por  meio de laços familiares, de vizinhança e de amizade, aos quais me  referi em detalhe noutros trabalhos (Iturra, 1977, 1980, 1985). O  simples facto da reprodução humana acontecer no seio do que se denomina  uma família, legislada no direito positivo, no  Direito Canónico e no  costume, demonstra o começo dos laços interpessoais no sacramento do  matrimónio, do baptismo [para o caso da reprodução no celibato que  argumentei noutros textos  (1987-a, 1987-c)], num contrato civil ou num  convénio privado, mas que acaba por ser o resultado da dedução feita  acerca de uma relação possível, depois de se ponderarem todas as outras.  A vida em família sacramental, contratual ou em concubinato, implica  direitos e obrigações moralmente sancionadas, sejam ou não previstos na  letra da lei. A vida em família, a existência do parentesco, é idêntica  enquanto for funcional para a manutenção da vida entre camponeses e  trabalhadores da indústria. Pode-se dizer que há um denominador comum,   referido por mim noutros textos, entre ambos os processos de trabalho,  que reside no facto de se pagar um preço pelo produto do trabalho, sejam  batatas ou trabalho assalariado, que não remunera todas as necessidades  que as pessoas geram na sua reprodução.
         Sem a intervenção da  solidariedade parental, de vizinhança, de amizade, nalguns casos de  classe, a reprodução da vida entraria num beco sem saída, já que esta se  desenvolve num sistema de produção no qual o bem reprodutivo – a batata  – que não se come e se guarda para semente, é a moeda, esse valor  abstracto que produz mais valores abstractos, como evidenciam Adam Smith  (1776), Mill (1844), Ricardo (1817), Marx (1844), Weber (1892), Tawny  (1922),  e, ultimamente, Milton Freedman (1979). É possível ver o que o  povo produz, saber que solidariza, que melhora o corpo, que proporciona  momentos de intercâmbio de experiências, que constrói casas, que repara  ferramentas, que coordena a circulação de recursos, como argumentei  noutro texto (1987-c), com base no conhecimento de que a sua actividade é  transcendente, com base numa garantia que a Igreja sistematizou e se  encontra na doutrina do pecado. A ideia religiosa que complementa o  conhecimento reprodutivo face ao saber letrado cartesiano e positivista,  tem uma base específica na teoria do que é bom e mau, que a Teologia  foi recolhendo e a prática teorizando, e ao qual agora regresso: o campo  da produção das ideias e não do seu valor.
2 - Uma epistemologia da prática reprodutiva: o pecado
         Dizer que a teoria do pecado é  uma garantia do cumprimento daquilo que eu gosto de chamar o contrato  oral, é apenas uma forma de explorar, dentro das ideias religiosas, a  sua capacidade mobilizadora. Não quero referir, a priori, o facto da existência da culpa; pelo menos para a humanidade positivista. Freud explicou-a nos conceitos de Eros e Civilização,  tomando as ideias dos povos australianos. Não é um raciocínio que se  siga facilmente, nem com o qual se possa estar facilmente de acordo; é  algo de mais amplo que pretendo sublinhar no meu estudo. Penso que o  conceito de culpa é uma das ideias que mais amplamente se desenvolveu ao  longo da história, tendo um paradigma mítico no livro do Génesis, bem  como ao longo de toda a Bíblia. Se o conceito “culpa” é grego ou  judaico, não o vou, de momento, debater. Não obstante, há uma conclusão  de Weber no seu estudo comparativo das religiões (1904), que quero  invocar, e que afirma que o cristianismo tem uma acção derivada da  ansiedade entre salvação e pecado, enquanto que as religiões orientais  tendem mais para a meditação. Por outro lado, não é nítido que o  conceito de pecado esteja sempre associado à culpa. A minha proposta é  que o conjunto de prescrições que um dia Moisés deu ao seu povo, e que,  posteriormente, foi reformulado na invasão romana da Palestina, é  indicação de comportamento, mais que de castigo, ainda que na dimensão  religiosa pragmática a ideia de castigo seja usada e invocada. Penso  que, metodologicamente, há que distinguir vários campos antes de falar  de pecado e culpa associados, apesar das evidências de Delumeau (1983)  e  Le Goff (1981). O primeiro campo é saber de quem é a culpa, se do  investigador e da sua cultura, se do investigado e das suas ideias. O  segundo é o facto de a predicação evangélica, para a qual as igrejas  cristãs remetem, não falar de culpa sem realçar constantemente essas  mesmas prescrições, das quais deriva um conjunto de ideias solidárias  que se podem apreciar nas acções do povo. É apenas na predicação paulina  (séc. I), em Pelágio (séc. II), Agostinho (séc. IV) e Tomás de Aquino  (séc. XIII), bem como no protestantismo, que se fala em culpa universal,  original, venial, mortal, e das garantias quanto à possibilidade de nos  livrarmos delas: o Purgatório. Terceiro, parece-me fundamental  distinguir entre campo privado e íntimo da conduta social, não apenas  entre público e privado como se faz em Antropologia por hábito lógico.  Parece-me que a teoria do pecado, a lei com que a Igreja governa um povo  que se revoluciona muitas vezes em nome das ideias que ela própria  trata de reproduzir, é dirigida ao campo público e privado, mas  raramente ao campo íntimo do pensamento, pelo qual a Confissão apareceu  na História.
         Apesar destas questões,  parecerem-me relevantes, a problemática do assunto, seja pelo seu  conteúdo teológico, seja pela abundância ad infinitum de dados  históricos, que não posso controlar, leva-me a colocá-lo noutro  território. A teoria do pecado, no pensamento religioso, constitui um  conjunto de indicações utilizadas na organização do trabalho pelas  pessoas que conhecem a sua cultura oralmente. Um primeiro ponto de  substantivação, reside no conteúdo das prescrições da lei, dadas a um  povo para o qual o conceito e a prática da legere é proverbial.  A lei começa por definir uma vontade não subordinada, como modelo da  individualidade em harmonia com o qual cada um necessita de se comportar  para ser pessoa, isto é, membro da comunidade. Como Raymond Williams  (1958) nos recorda, “indivíduo” significa “ser membro de”, por oposição  ao significado que, actualmente, atribuímos a este conceito, devido à  teoria clássica marginal da economia do capital. Será, então, necessário  aderir a esta vontade se quisermos ser membro do grupo, uma vez que a  sua existência, honra e dignidade não podem ser postos em dúvida,  disputados, blasfemados, nem construídos ao lado de uma outra imagem  semelhante.
         É por isso que gosto de chamar a  Deus uma relação social que se imiscui no quotidiano, e não apenas no  que na teoria durkheimiana se designa por sagrado, ou que pertence ao totem, do qual Freud (1919) retira tabu e culpa,  e Lévi-Strauss define como separador do comportamento manipulador do  real (1962). Uma relação social que serve de referência tanto para a  inclusão de indivíduos ou outros povos no grupo, como para actividades  que sejam executadas. Deus é uma presença vigilante que vê e não é  visto, um patrão que o poder político e a família patriarcal  aprofundaram dentro do grupo doméstico, onde a ideia passa a encarnar-se  na actividade do pai que detém o saber do trabalho e a fonte dos  recursos. Não apenas na relação contratual feudal, mas também na  napoleónica, a figura do pater familias com capacidade  reprodutiva e omnipotente é o ponto de garantia do trabalho, em nome do  qual a relação se estabelece. Simultaneamente, esta autoridade é  exterior à possibilidade de disputas e mesmo nas intervenções do Estado  ou a lei na família hoje, e na anterior relação de súbdito, a  responsabilidade do pai europeu é indiscutível. Não posso entrar agora  nos detalhes da patriarcalidade pastoril judaica; posso apenas repetir  que a direcção do grupo reprodutivo, sem o qual não há preço de  trabalho, cabe a um indivíduo, um membro do grupo, cuja autoridade não é  posta em causa, como a de Deus, e que não é sancionado discutir.
         O segundo grupo de sanções  acerca do que se poderá ou não fazer, dirige-se à hierarquia de  autoridade mais imediata, a dos superiores hierárquicos associados aos  padres. De facto, a predicação cristã católica, sobre a qual me vou  centrando no meu argumento, manda respeitar a hierarquia do grupo social  de cada um. A função da autoridade, desprendida da divindade, tem sido  um tema recorrente na predicação e na doutrina escrita: pode-se dizer  que é a gestão da empresa produtiva da força de trabalho e de bens que  circulam como mercadorias; de facto, a expansão cristã do Ocidente a  partir do século XVI, subordinou o conjunto dos povos colonizados à  teoria do oikos grego, que os europeus haviam integrado na sua  incipiente teoria económica inscrita na teologia. Apesar de se poder  dizer que, em inúmeros casos, como no inglês, a expansão respeitou as  formas parentais de organização do trabalho já existentes, de facto, a  subordinação ao arquétipo do grupo doméstico, conceito mesmo da ciência  social, constitui o elemento dominador através do qual a criação de mais valia  foi executada nos povos conquistados, como na Europa. A ideia tem  origem, parece  simples dizê-lo, na herança deste conjunto de  autoridades, Deus, padre superior, através das quais o trabalho no  Ocidente foi organizado. A falta, o pecado era, e é, estar fora das  formas monogâmicas de criar força de trabalho e mercadorias. A monogamia  e a subordinação a uma autoridade central providenciam, de facto, uma  gestão unicelular nos, e dos grupos produtores e reprodutores,  cuidadosamente anotados em genealogias e nos livros de registo onde a  individualidade – isto é, a pertença – é provada no Ocidente: uma  cultura que entende e vê apenas a palavra escrita. A honra devida ao  conjunto de superiores tem a função do respeito pelo saber numa cultura  que usa a imitação no seu processo de aprendizagem, no qual a pertença a  um grupo fornece escola e professor, a divindade do professor, a  utilidade do saber e o respeito pelo conhecimento. Pode-se dizer que as  faltas graves à sociedade, a separação que implica o conceito de pecado,  apenas se referem a uma aprendizagem, a uma teoria do saber não  prevista nas maneiras dominantes da cultura escrita, positivista,  letrada. A subordinação à paternidade é a garantia da continuidade do  saber.
         Um terceiro grupo de relações  sancionadas diz respeito ao cuidado do corpo. Não tenho dúvidas que a  classificação de corpo e alma a que estas sanções se referem, têm um  conteúdo valorativo, de significado, que eu, mesmo sendo notório, sou,  no entanto, incapaz de seguir. Sem dúvida, parece-me claro entre os  trabalhadores industriais, onde realizei trabalho de campo, que o  cuidado do corpo se refere às condições de saúde e integridade, dentro  das quais esta técnica charneira entre ideias e matéria, pode e sabe  trabalhar. Não quero – não se pode, logicamente – especular sobre o que  poderia suceder se não existisse esta prescrição; ela existe e define  uma situação de amor a si próprio, de cuidado e aptidão para a produção e  reprodução. Ao mesmo tempo, parece ser o fosso, onde, os não aptos para  o que se chama o objectivo da criação que o homem faz  com a  actividade, se dispersem. De facto, nas populações camponesas, onde a  maximização com vista ao lucro ainda não entrou como conceito de acção,  como sucede entre os trabalhadores industriais, entre os quais o lucro  paga (ou não) a mutilação, o cuidado do corpo, refere-se também ao  cuidado objectivo que com ele espera realizar; tipicamente, na época da  reprodução no celibato, que analisei noutros textos (1987-a), as  mulheres que tinham filhos sem marido acabavam por não ter acesso ao  casamento. A predicação e a doutrina da Igreja Católica Romana  encarregaram-se também, neste aspecto, de legislar não apenas o não  matar e o não ferir, mas também o suicídio, o duelo, o escândalo, as  rixas, as injúrias, o ensinar a pecar. De facto, aprender a pecar é  autonomizar-se do grupo com o qual se vive e trabalha, afastar-se é não  apenas retirar forças ao trabalho como ainda arriscar perder o  indivíduo. A ideia de não matar e da integridade física e espiritual que  lhe está associada, definem capacidades sem as quais a reprodução não  tem lugar, condições que servem para impedir a circulação das pessoas  que não são hábeis: as heranças, ou meios através dos quais os bens são  entregues a quem possa mostrar capacidade reprodutiva legítima e  ordenada no casamento, não são destinados aos incapacitados. Até à  recente universalização do direito positivo, o Direito Canónico  legislava acerca das diversas formas de deter os bens em ordem às  incapacidades e sobre as restrições no acesso ao casamento para os  lesionados físicos ou morais. Dentro do cuidado das condições de saúde,  está o conjunto de sanções para a reprodução humana. A ideia de  fornicação define tanto a pureza, quer dizer, a manutenção do estado de  não engendrar fora do contexto classificador de bens em relação a  pessoas que a lei proporciona, como ao mesmo tempo vigia a subordinação  do desejo. Tudo parece passar-se como se o legislador original estivesse  consciente de que a afectividade está associada ao desejo e o que  desejo, historicamente, tem-se manifestado de formas heterogéneas. É  claro que a ideia de respeitar o corpo está ligado à manutenção da  fertilidade nas relações reprodutivas. A paixão e o desejo, que acabam  por permitir a fertilidade que substitui as pessoas ao longo do ciclo da  vida, têm a contrapartida da abstinência, fértil quando não convém, ou  não fértil e de ocorrência comum nos grupos humanos que praticam,  universalmente, os amores dentro do mesmo sexo. Contra esta natureza que  desordena a cultura que estabelece as acções reprodutivas, o legislador  prevê a separação dos membros transgressores incastos, desonestos,  incestuosos, bestiais, onanistas e pederastas, as palavras que a  doutrina tem usado. Também prevê a dinamização da abstinência, proibindo  ver, tocar, ler, assistir a certo cinema, teatro e bailes, o que a  doutrina expressamente ordena. Este tipo de prescrições é encarado com  menos severidade desde que a fertilidade seja controlada pelos seres  humanos por meio de preservativos e pílulas. Logicamente, é respeitado a  preceito pelos camponeses proprietários e por um certo proletariado  urbano, para quem uma aliança constitui uma saída no campo do lucro e um  nascimento inoportuno pode criar direitos de propriedade na direcção  não desejada no desenvolvimento da teoria da economia do lucro. Pode-se  dizer que o respeito do corpo sanciona os cuidados, digamos, da  demografia, já que é justamente o grupo humano onde a ideia religiosa é  mais dinamizadora, o que funciona na medida de uma rigorosa substituição  de indivíduos que levam em si parte do conhecimento total do grupo.  Cada indivíduo que morre apaga uma parte da memória, cuja substituição  apenas pode ser prevista na medida em que haja um outro no renovado  ciclo da vida.
Mas o conjunto de sanções da lei não  seria completo se não se referisse aos bens reprodutivos. O que sanciona  neste caso é um número de conceitos com que se classifica o mundo  natural, seja humano seja inanimado. Por um lado, aparece a mulher já  subordinada à autoridade do pai, definida como um objecto apropriado, de  cuja descendência nascem aqueles que virão a trabalhar a natureza  inanimada, da qual o pai tem a propriedade; por outro lado, a reputação é  parte dos atributos pelos quais o saber é respeitado e o valor da  palavra mantido. O somatório de propriedade, apropriação de mulher e bom  nome, permite na cultura ocidental, ser-se um reprodutor capaz. Ele  repõe o ciclo da vida por meio de filhos e repõe o ciclo agrícola com o  seu saber e coordenação do trabalho dos outros sob a autoridade, em  virtude da qual o seu saber pode circular porque tem uma efectividade  não contestada pela improdutividade. No entanto, a lei esforça-se também  para que este conjunto de condições que aparecem num indivíduo, não  provoque desencontros, raivas, ou não solidarização dos outros. Por um  lado, as três condições de ter bens, produzir filhos, dominar o saber  técnico, são essenciais para consolidar a autoridade que permite  organizar o trabalho, coordená-lo entre todos os recursos e no caso de  ser necessário, fazer circular os bens em forma de dádiva. Por outro  lado, já que são as condições com que na lógica não capitalista se  continua o ciclo da vida, podem surgir disputas entre os que possuem de  forma desigual, ou entre os que possuem e os que não possuem, neste  último caso, os preceitos da teoria do pecado, desempenharam um papel  histórico aparentemente contraditório. Digo, aparentemente, porque o  conjunto de sanções organizadas para a manutenção da produção e  circulação de bens em sociedades hierarquizadas, como entre pastores e  camponeses, passou a existir numa sociedade de classes, na qual os  valores da sociedade hierarquizada coexistem com os da competência,  sendo nesta última que ocorrem as restituições radicais, na linha da  sanção à qual a teoria do pecado subordina tudo: a igualdade no  tratamento como se os outros fossem o próprio. É aqui que se pode  constatar que, no conjunto, as prescrições apontam para a disciplina de  uma vontade orientada para a produção de pessoas e bens subordinada a  regras. O que se criou como ideia religiosa incarnada foi a delimitação  das acções e a classificação pormenorizada do lugar e da  responsabilidade que cada um tem nestas acções, como o expressa o  Direito Canónico e a sua laicização, o direito positivo. Este processo é  a racionalidade das ideias que entende o mundo através da crença, no  qual crer define uma relação pragmática entre os homens. Se este tem uma  dimensão autónoma para a sua análise é algo que não compreendo.
3 - A prática da teoria entre os camponeses
         O meu argumento visa  principalmente centrar a análise do religioso dentro da história e da  produção material do pensamento a que pertence. O meu esforço visa  construir um argumento de que a religião não é um domínio independente,  enquanto ideia dinamizadora de relações sociais: poderá sê-lo a  Teologia, como o é a Economia, mas não a crença, como o não é a  actividade económica. A crença, como forma de entender o mundo, é  diferente de compreender: o segundo é um exercício mediático, analítico,  experimental, repetidor eficaz do saber, enquanto que crer é aceitar os  fenómenos sem mais que aprender a forma em que se produzem e as  condições dentro das quais um facto pode acontecer. Na crença, enquanto  forma de entender e criar sociedade, existe esperança, lealdade,  confiança, reiteração; na lógica positivista existe cálculo. Na primeira  há emoção que acaba por chamar-se fé, mas não é mais que Medick e  Sabean (1981)  têm denominado de interesse regulado pela emoção.
 A questão é que se tem pensado sempre,  no período do capital, que a emoção é primitiva enquanto que o cálculo é  científico. É provável que tenha residido aí a pergunta existencial do  intelectualismo do século XIX que não sabe triunfar nem fracassar, rir  sem chorar, viver sem morrer, que não nos deixa compreender fenómenos  que começam justamente a partir da morte. A ideia religiosa como  dinamizadora das relações sociais, tem a força cega que organizou as  guerras camponesas alemãs, as revoluções irmandiñas, da Galiza,  as da Patuleia e Maria da Fonte (Sobral, 1987), em Portugal, Lourdes,  Fátima e os demais santuários que rodeiam as relações industriais de  trabalho. Cega não quer dizer sem razões, mas com razões que a  racionalidade cartesiana do investigador desconhece e que a  racionalidade de fé do teólogo acaba por elevar a dogmas, mais  modernamente, a  sinal de Deus. O cientista deve ficar-se pelas  manifestações históricas que explicam a crença, utilizando os factos. E  parece que o central é o da morte neste processo de vida.
         Parte da memória cultural oral  camponesa, substituída na cultura urbana por um calendário laboral  estatal, está contida no calendário litúrgico. As diferentes épocas do  ano, começando no advento, comemorando o que o cristianismo chama de  mistério central da crença, a morte de um homem que ressuscita: por  outras palavras, o prolongamento da vida que é, de facto, o que a morte  significa. As actividades do ano são governadas pelos diversos tempos  que a Igreja Romana emana, como já discuti noutros textos (Iturra,  1987-a). O ciclo litúrgico regula quer a produção de bens quer a de  pessoas. De facto, o casamento, como forma oficial de reprodução humana,  está limitado legalmente na sua celebração à época posterior à Páscoa  ou à ressurreição. Esta época, marcava o dia de pagamento dos vários  direitos e impostos devidos pelos camponeses, como marca hoje em dia, o  pagamento dos direitos eclesiásticos em dinheiro. A Igreja Católica  Romana manda celebrar o triunfo sobre a morte através da confissão e  comunhão obrigatória; uma passagem ao estado de adesão dos membros das  várias paróquias, que os fiéis cumprem com exactidão e uma regularidade  marcada através do tempo, como pude observar nos livros de registo de  rituais das paróquias que estudei em Espanha e Portugal. De facto, o  triunfo sobre a morte está marcado pelo ritual da renovação das  promessas baptismais, ou de nascimento da alma para o estado de  congregação, de pertença. Ao longo do ano litúrgico que vai marcando o  ano agrícola, o ritual vai-se centrando marcadamente na ideia de morte e  ressurreição, que tem por consequência a recordação da perenidade da  vida, da insuficiência da capacidade de decidir isoladamente ou  pessoalmente, da sujeição ao saber da Igreja e da renovação do ciclo  doméstico que, em potência, em qualquer momento pode ocorrer com a  incerteza da morte.
         Para uma cultura cuja memória se  forma pela transmissão do conhecimento de pessoa a pessoa, a prática da  iminência do fim e da finitude da vida em relação ao tempo que leva a  desenvolver o corpo e a inculcar o saber, é uma metáfora dinamizadora  das relações entre gerações. Mesmo quando a prática mostra que se pode  viver muito tempo, também mostra as surpresas da morte, face às quais é  necessário estar-se preparado na actividade de treinar os continuadores  das técnicas e autoridades. A ideia da morte, que é uma definição de  continuidade da vida, variou ao longo dos diversos séculos da  experiência camponesa. Como notaram Delumeau (1983), Le Goff (1981) e  também Duby (1967), Sournia e Ruffie (1984), as doenças não controladas  que dizimavam populações apareciam como o detonador de grupos e seitas  religiosas, de profundidade no cumprimento litúrgico, de medo face ao  que se desconhece e é, finalmente, vontade do Céu. Simultaneamente,  vigoram a ideia de comunhão entre vivos e mortos, que o pensamento  evangélico funda e Agostinho de Hipona (397) desenvolve, enfatiza e  materializa, e o credo tridentino (séc. XVI) ensina aos fiéis como  doutrina, fazendo do culto dos mortos uma actividade privilegiada nas  povoações católicas, criando o Purgatório e a intervenção do Estado na  população. As celebrações culminam com o dia de Todos-os-Santos e o Dia  de Finados, duas formas de celebrar a comemoração da transformação da  vida. Esta prática coloca uma dúvida face ao comportamento teórico das  alternativas camponesas já que, como é comum ouvir, nunca se sabe se o  que aconteceu com um parente é a salvação, a suspensão do juízo, ou a  condenação desde o início.
         A Igreja Católica, pelo menos,  defendeu por vários séculos um ritual obrigatório, no qual os indivíduos  são treinados desde muito jovens, uma hierarquia complexa do que  acontece a seguir à morte do corpo: a concepção da dupla substância de  que um indivíduo é formado, fá-lo transportar consigo ao mesmo tempo os  princípios da vida e da morte, a perenidade e a eternidade, que em  última instância se jogam no amor, quer dizer, na solidariedade. A  prática da morte, reproduzida na teoria dos aparecidos, almas,  cemitérios, flores, orações, acaba por ser o fundamento que garante o  cumprimento dos compromissos de intercâmbio de dádivas, de solidariedade  e outros que formam parte da racionalidade da actividade económica. A  mesma ideia dos mortos serem solidários com os vivos, é uma barreira à  inimizade pessoal no sentido da hipótese das almas em sofrimento e da  protecção que os mortos podem dar aos vivos, na medida em que os vivos  desenvolvem actividades por eles; actividade que, por vezes, passa pelo  restabelecimento de relações pessoais durante a vida e que permitem  retomar formas de cooperação no trabalho, interrompidas por qualquer  disputa.
         A actividade económica que a  morte desenvolve e dinamiza entre aqueles que crêem nos dois princípios  que animam a pessoa cristã ( Mauss, 1926), reflecte-se nas formas de  dispor da propriedade. De facto, a estrutura por meio da qual se formula  a transferência de bens é normativa e no caso de parentes, é comum  solicitar-se uma reciprocidade em orações e missas. Normalmente, é aqui  realçado pelos estudiosos, o papel de acumulação de riqueza que a Igreja  tem assumido; isto é verdade, mas vale a pena recordar também que a  linguagem religiosa é uma forma de devolver os bens à geração seguinte  ou de dotar instituições que fiquem obrigadas a realizar obras de  utilidade pública. Tendo em vista a morte com o seu risco de salvação, a  teologia medieval organizou os princípios económicos (São Tomás de  Aquino, 1267-1273) que ainda regulam, na tradição oral, as prestações  entre os camponeses e as que se fazem, de certo modo, entre  trabalhadores industriais. Além de falar do preço justo de propriedade  privada ao serviço comum dos fiéis, de salário justo, de avareza e  usura, o ensinamento da doutrina materializa a economia da dádiva, na  qual o comércio, antigamente condenado pelo risco de injustiça e dolo, é  hoje considerado dentro dos conceitos da economia do capital. Em  consequência da condenação do comércio e da solidariedade que as  virtudes cardeais predicam, forma-se nos grupos próximos uma relação de  dádiva, na qual os bens são avaliados pela proximidade da relação  parental ou de vizinhança (Iturra, 1977), circulando entre grupos  domésticos. Dentro do que outras vezes chamei a lógica camponesa, a  moeda que circula é o servir ao próximo, segundo e conforme a  proximidade emotiva com este, a utilidade no trabalho e, ultimamente, o  serviço que possa prestar na confecção sem dinheiro de bens que logo  serão vendidos pelo seu proprietário no mercado, e lhe permitirão  acumular. A relação de capital e até mercantil que existe, é, contudo,  uma questão que escapa à prática da teoria religiosa da dádiva  económica, não estando sujeita às penas da morte eterna, já que é  possível avaliá-la na forma mais universal pelo dinheiro e submeter o  assunto aos tribunais locais.
4 - As hipóteses que haveria que provar
         Em conjunto, e em forma de  síntese, argumentei que a religião é um corpo doutrinal que, por meio de  entender as relações sociais através da crença, contém as ideias  mobilizadoras da reprodução social. Mencionei apenas os diversos campos  onde a investigação deveria ou poderia centrar-se. Na verdade, se a  reprodução é um acto que reserva ou retira bens produtivos do seu  consumo, ou os investe em energia, o conhecimento das quantidades, das  técnicas de conservação e outros assuntos de dinâmica deste processo  estão contidos na própria natureza do processo de trabalho. Se  examinarmos os saberes oficiais que o cartesianismo ou positivismo  desenvolveram como economia, medicina, lei, história, ciência social,  cibernética, nenhum deles contém a pedagogia do ensino oficial do saber.  Social que não prevê nenhum item que defina a praticabilidade  do saber popular com que os produtores, constrangidos pela renda feudal,  ou salários a preços do capital que lhes são pagos, ou que não são  pagos por eles por técnicas e matérias que não produzem e de que  necessitam para o seu processo de trabalho, vão criando a sociedade em  que, de todas as maneiras, tentam viver.
         Penso ser fundamental recordar  que o saber religioso, não positivo e não científico, está inscrito no  pragmatismo assinalado por Leach (1977) e Gellner (1968), e participa de  uma praticabilidade como a definida por Christian (1981) quando  argumenta a função dos especialistas dos santos e das suas tecnologias  artesanais e curativas. O cientista social, convertido ao paradigma  experimental e do texto, ou folcloriza o saber oral em que a religião  consiste, ou simplesmente o esquece por considerá-lo obscuro e contrário  ao desenvolvimento, como fazem os médicos com os curandeiros. Noutros  casos, sonda-se o significado desse saber e seus símbolos, com que  ficamos esclarecidos, mas sem dar conta da função social cumprida por  saber especializado, salvo colaborar na libertação da ideia religiosa da  sua subordinação à teoria eficaz do lucro nos últimos trezentos anos.  Este é, para mim, todo o objectivo de entender, ou como sociólogo  absoluto ou comparativo, a teoria religiosa no processo de reprodução  social, sem nos convertermos em teólogos, nem em contadores de  histórias.
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