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terça-feira, 10 de junho de 2008

AS HOMENAGENS INCONDICIONAIS

Quando penso no filosofo alemão mais lido, no musico alemão mais ouvido, no homem de Estado alemão mais considerado, sou obrigado a confessar: se atualmente se torna a vida muito dura para os alemães, esse povo dos sentimentos absolutos, isso é devido a seus grandes homens. Nos três casos, o espetáculo é esplendido para contemplar: é cada vez um rio, tão poderosamente agitado no leito que ele próprio cavou que se poderia muitas vezes acreditar quer escalar a montanha. E, no entanto, por mais longe que seja levada a admiração, quem não gostaria de ser, no final das contas, de outro estilo que o de Schopenhauer! E quem gostaria de compartilhar agora, nas grandes e nas pequenas coisas, as opiniões de Wagner, compositor alemão (1813-1883)? – por mais justa que possa ser a observação daquele que disse que; sempre que Wagner dá ou toma um impulso, um problema está escondido – vamos adiante, não é ele que vai trazê-lo à luz. – E, finalmente, quantos não haveria que gostariam de todo o coração, estar de acordo com Bismarck (Oto Bismarck – 1815-1898), com a condição de que ele estivesse de acordo consigo mesmo ou que pelo menos aparentasse sê-lo doravante! Certamente: não há princípios, mas instintos, um espírito flexível a serviço de violentos instintos dominantes e por isso sem princípios – isso não deveria ser nada surpreendente num homem de Estado, mas deveria antes ser considerado como justo e normal. Ai! Isso foi até agora tão pouco alemão! Tão pouco como o ruído em torno da musica, as dissonâncias e o mau humor em torno do musico! Tão pouco como a nova e extraordinária posição escolhida por Schopenhauer: nem acima das coisas, nem de joelhos diante delas – nos dois casos, isso teria sido ainda alemão – mas contra as coisas! Incrível e desagradável! Colocar-se no mesmo nível das coisas, mas ser, apesar disso, seu adversário e, no final das contas, o adversário de si próprio! – Que deve fazer o dominador incondicional com semelhante modelo? E sobretudo, de três desses modelos que nem mesmo mostram o desejo de estar em paz entre si! Ai está Schopenhauer, adversário da musica de Wagner, e Wagner, adversário da política de Bismarck, e Bismarck, adversário de todo wagnerismo e de todo schopenhauerismo! Que resta fazer? Onde se refugia com sua sede de “veneração em bloco”? Seria possível talvez escolher na musica do compositor algumas centenas de boas medidas que toquem o coração e que se goste de ter no coração porque têm coração – seria possível ir embora com esse pequeno espolio e esquecer todo o resto? E procurar semelhante arranjo com o filosofo e com o homem de Estado – escolher, guardar no coração e, sobretudo, esquecer o resto? Sim, se não fosse tão difícil esquecer! Era uma vez um homem muito orgulhoso que, a nenhum preço, queria aceitar nada que não fosse de si próprio, tanto no bem como no mal: mas quando teve necessidade do esquecimento, não pôde dá-lo a si próprio e foi forçado a conjurar os espíritos por três vezes: eles vieram, ouviram o seu pedido e disseram no fim: “É justamente a única coisa que não está em nosso poder!” Os alemães não deveriam tirar proveito da experiência de Manfredo? Para que conjurar primeiro os espíritos! É inútil, no se esquecer quando se quer esquecer. E como seria importante “o resto” para esses três grandes homens do nosso tempo, a fim de poder permanecer seu admirador em bloco! Seria, portanto, preferível aproveitar a ocasião para tentar algo de novo: quero dizer, progredir na lealdade para consigo mesmo e tornar-se, em vez de um povo que repete de uma forma crédula e que odeia maldosa e cegamente, um povo de aprovação condicional e de oposição benevolente; mas aprender antes de tudo que as homenagens incondicionais para com as pessoas são algo de ridículo, que mudar de opinião a respeito não seria desonroso, mesmo para os alemães, e que existe uma máxima profunda, digna de ser seguida:
“O que importa não são as pessoas, mas as coisas”.
Esta máxima é, como aquele que a pronunciou, grande, honesta, simples e silenciosa – assim como Carnot (Lazare Carnot – 1753-1823 – político e cientista francês), soldado e republicano. – Mas pode-se agora falar assim de um francês a alemães, e mais ainda de um republicano? Talvez não e talvez não se tenha até mesmo o direito de lembrar o que Niebuhr (Berthold Georg Niebulr – 1776-1831 – diplomata e historiador alemão) pôde dizer outrora aos alemães: que ninguém como Carnot lhe tinha dado a impressão da verdadeira grandeza.

‘Friedrich Nietzsche’

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