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terça-feira, 10 de junho de 2008

SOBRE O POVO DE ISRAEL

Entre os espetáculos para que nos convida o próximo século, é preciso colocar o regulamento definitivo do destino dos judeus europeus. É de todo evidente agora que eles lançaram os seus dados, que atravessaram o Rubicão (Rubicone em italiano, é o nome de rio da Itália; que na época da Republica romana marcava a fronteira entre a Gália Cisalpina e a Itália, no ano 49 antes de Cristo. Julio César, que era governador da Gália, atravessou-o ilegalmente para marchar com o seu exercito sobre Roma, provocando a guerra contra Pompeu, confronto bélico que depois se transformou em guerra civil. César no fim, levou a melhor e se tornou o primeiro imperador de Roma. Subsiste ainda hoje a expressão; atravessar o Rubicão, que significa superar uma dificuldade enorme ou tomar uma decisão audaciosa e irrevogável) não lhes resta se não tornarem os senhores da Europa ou perder a Europa como perderam outrora o Egipto, onde se haviam deparado com semelhante alternativa. Na Europa, porém, tiveram uma escola de dezoito séculos, coisa que nenhum outro povo pôde pretender, e isso de tal maneira que não foi tanto a comunidade, mas sobretudo os indivíduos que lucraram com as experiências desse espantoso período de provas. A conseqüência disso é que, entre os judeus atuais, os recursos da alma e do espírito são extraordinários; entre todos os habitantes da Europa são eles que, na desgraça, têm mais raramente o recurso à bebida ou ao suicídio para sair de um embaraço profundo – o que é tão tentador para qualquer pessoa menos capacitada. Todo o judeu encontra na história dos seus pais e dos seus antepassados uma fonte de exemplos de raciocínio frio e de perseverança em situações terríveis, da mais sutil utilização da desgraça e do acaso pela astúcia; sua coragem sob a capa de uma submissão humilhante, seu heroísmo do ‘spernere se sperni’ (expressão latina que significa “desprezar de ser desprezado, menosprezar por ser menosprezado”) ultrapassa as virtudes de todos os santos. Durante dois mil anos se quis torná-los desprezíveis tratando-os com desprezo, impedindo-lhes o cesso a todas as honras, a tudo o que existe de honroso, impelindo-os pelo contrário para baixo, para os trabalhos mais sórdidos – para dizer a verdade, esse procedimento não os tornou mais decentes. Mais desprezíveis, talvez? Eles mesmos nunca deixaram de se considerar votados às maiores coisas e as virtudes de todos aqueles que sofreram nunca deixaram de embelezá-los. A maneira como eles honraram os pais e os filhos, a razão que preside aos seus casamentos e a seus hábitos matrimoniais os distingue entre todos os europeus. Além disso, eles se empenharam em extrair precisamente um sentimento de poder e de vingança eterna dos trabalhos que deixávamos para eles (ou às quais nós os abandonávamos); é preciso até dizer em desconto de sua usura, que sem essa tortura de seus depreciadores, às vezes agradável e vantajosa, dificilmente teriam chegado a considerar-se a si próprios durante tanto tempo. De fato, a estima por nós mesmos está ligada à possibilidade de fazer o bem e o mal. Com isso, os judeus não se deixaram levar muito longe pela vingança; pois, todos eles têm a liberdade de espírito e também a da alma que produzem no homem a mudança freqüente de lugar, de clima, o contato com os costumes dos vizinhos e dos opressores; possuem a maior experiência de todas as relações com os homens e, mesmo na paixão, conservam a prudência nascida dessa experiência. Estão tão seguros da sua maleabilidade intelectual e da sua habilidade que nunca têm necessidade, mesmo nas situações mais difíceis, de ganhar o pão pela força física, como trabalhadores rústicos, carregadores, escravos agrícolas. Vemos ainda por suas maneiras que nunca lhes inculcamos sentimentos cavaleirescos e nobres na alma, nem lhes pusemos belas armaduras em seu corpo: algo de indiscreto alterna com uma deferência muitas vezes terna e quase sempre penosa. Mas agora, que ano após ano se aliaram inevitavelmente com a melhor nobreza da Europa, logo terão conquistado uma herança considerável nas boas maneiras do espírito e do corpo: de modo que, dentro de cem anos, já terão o porte suficientemente aristocrático para não provocar, como senhores, a vergonha daqueles que lhes serão submissos. E é isso que importa! É por isso que uma regulamentação do seu caso é ainda prematura! Eles são os primeiros a saber que não se trata para eles de uma conquista da Europa nem de qualquer tipo de violência: mas sabem também que a Europa, como um fruto maduro, deverá cair um dia em suas mãos, bastando para tanto estendê-las. Esperando, é necessário para eles se distinguir em todos os domínios da distinção européia e se posicionar entre os primeiros, até que sejam eles próprios a determinar o que distingue. Serão então os inventores e os guias dos europeus e não ofenderão mais o pudor destes. É essa abundancia de grandes impressões acumuladas que constitui a história judaica para todas as famílias judias, essa abundância de paixões, de virtudes, de decisões, de renuncias, de combates, de vitórias de toda a espécie – a que deverá chegar finalmente com grandes obras e com grandes homens intelectuais! Então, quando os judeus puderem mostrar como sua obra de pedras preciosas e de taças de ouro, tais que os povos europeus de experiência mais curta e menos profunda não podem nem puderam produzir – quando Israel tiver transformado a sua vingança eterna em benção eterna da Europa: então retornará esse sétimo dia em que o velho Deus dos judeus poderá se alegrar consigo mesmo, por sua criação e por seu povo eleito – e todos nós, todos, queremos nos alegrar com ele!

‘Friedrich Nietzsche’

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