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terça-feira, 10 de junho de 2008

A PRETENSA LUTA DOS MOTIVOS

Fala-se de “luta dos motivos”, mas assim e designa uma luta que não é a “luta dos motivos”. Quero dizer que, em nossa consciência deliberativa, antes de uma ação, se apresentam as conseqüências de diferentes ações que julgamos poder executar todas elas e comparamos essas conseqüências. Julgamos estar decididos a uma ação quando constatamos que suas conseqüências serão as mais favoráveis; antes de chegar a esta conclusão em nossas avaliações, nos atormentamos muitas vezes lealmente por causa das grandes dificuldades que há em adivinhar as conseqüências em percebê-las em toda a sua força, todas, se exceção: além disso, esse cálculo deve ter também a sua parte de acaso. Mas é então que vem o mais difícil: todas as conseqüências que definimos separadamente, com tanta dificuldade, devem ser pesadas umas e outras na mesma balança; e muitas vezes, para essa casuística da vantagem, não temos nem balança nem pesos, por causa das diferenças de qualidade entre todas as conseqüências imagináveis. Suponho, contudo, que nós nos eximíssemos dessa operação como das outras e que o acaso tenha posto em nosso caminho conseqüências reciprocamente comparáveis: então nos restaria efetivamente, na imagem das conseqüências de uma ação determinada, um motivo para praticar essa ação – sim! Um motivo! Mas no momento em que nos decidimos a agir, somos muitas vezes determinados por uma categoria de motivos diferente da categoria descrita aqui, aquela que faz parte da “imagem das conseqüências”. Então intervém o modo segundo o qual nossas forças têm o habito de representar; ou ainda um leve impulso imprimido por uma pessoa que receamos, veneramos ou amamos, ou ainda a indolência que prefere executar o que está à mão, ou finalmente o despertar da imaginação provocado no momento decisivo por um pequeno incidente qualquer – então age também o elemento corporal que; se apresenta sem que se possa determiná-lo, ou ainda a disposição do momento, a irrupção de uma paixão qualquer que está, por acaso, prestes a saltar: numa palavra, agem motivos que; não conhecemos bem ou que ignoramos totalmente e que, por outro lado, não podemos nunca fazê-los entrar de antemão em nossos cálculos. É provável que entre eles também haja luta, tira-teimas, arrebatamento e repressão – essa seria a verdadeira “luta dos motivos”; - qualquer coisa que, para nós, é totalmente invisível e inconsciente. Calculei as conseqüências e os resultados e inseri assim um instinto muito importante na ordem de batalha dos motivos – mas esta ordem de batalha estabeleço-a tão pouco como a percebo: a própria luta está escondida e a vitória, como vitória, igualmente; pois, sei muito em o que acabo de fazer, mas não sei qual é o motivo que finalmente saiu vitorioso. Estamos, com efeito, habituados a não fazer entrar em linha todos os fenômenos inconscientes e a pensar a preparação de um ato apenas na medida em que é consciente: e é por isso que confundimos a luta dos motivos com a comparação das conseqüências possíveis de diferentes ações – uma das confusões mãos cheias de conseqüências e das mais funestas para o desenvolvimento da moral!

‘Friedrich Nietzsche’

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