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quarta-feira, 4 de junho de 2008

O DESPREZO DAS CAUSAS, DAS CONSEQUENCIAS E DA REALIDADE

Esses acasos nefastos que se abatem sobre uma comunidade, tempestades súbitas, secas ou epidemias, despertam em todos os seus membros a suspeita de que faltas contra os costumes foram cometidas ou fazem crer que é preciso inventar novos costumes para apaziguar um novo poder e um novo capricho dos demônios. Esse gênero de suspeita e de raciocínio evita justamente, portanto, aprofundar a verdadeira causa natural e considera a causa demoníaca como razão primeira. Há nisso uma das fontes da má informação hereditária do espírito humano; e a outra fonte se encontra bem o lado, pois, de igual modo e também sistematicamente, se presta uma atenção muito menor às conseqüências sobrenaturais, o que é chamado de punição e graças da divindade. Prescreve-se, por exemplo tomar certos banhos em determinados momentos: no se toma banho por uma questão de higiene, mas porque isso foi prescrito. Não se aprende a fugir das verdadeiras conseqüências da sujeira, mas o pretenso descontentamento que a divindade teria ao ver alguém negligenciar o banho. Sob a pressão de um temor supersticioso, suspeita-se que esse lavar do corpo sujo tem mais importância do que o ar, depois são introduzidos significados de segunda e de terceira mão, estraga-se a alegria e o sentido da realidade e se termina por não conferir a esse lavar senão enquanto pode ser um símbolo. Assim, sob o império da moralidade dos costumes, o homem despreza primeiramente as causas, depois as conseqüências, em terceiro lugar a realidade e liga todos os seus sentimentos elevados, de veneração, de nobreza, de altivez, de reconhecimento, de amor, a um mundo imaginário: que chama de mundo superior. E hoje ainda vemos as conseqüências disso: desde que os sentimentos de um homem se elevam de uma forma ou de outra, esse mundo imaginário está em jogo. É triste dizer, mas provisoriamente todos os sentimentos elevados devem ser suspeitos ao homem de ciência, tão ilusórios e extravagantes se mostram. Não que esses sentimentos devessem ser suspeitos em si e para sempre, mas, de todas as depurações progressivas que esperam a humanidade, a depuração dos sentimentos elevados será uma das mais lentas.

‘Friedrich Nietzche’

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