Total de visualizações de página

quarta-feira, 4 de junho de 2008

OS ANIMAIS E A MORAL

As práticas que são exigidas na sociedade mais refinada, evitar com precaução tudo o que é ridículo, bizarro, pretensioso, refrear as virtudes em como os desejos violentos, mostrar-se semelhante aos outros, submeter-se a regras, diminuir-se – tudo isso, enquanto moral social, se encontra até na escala mais baixa da espécie animal – e é só neste nível inferior que vemos as idéias ocultas de todas essas amáveis disposições: pretende-se escapar aos perseguidores a ser favorecido na busca da presa.é por isso que os animais aprendem a dominar-se e a disfarçar-se de tal maneira que alguns deles por exemplo, se adaptam sua cor à cor do ambiente (por meio do que chamamos a “função cromática”), chegam simular a morte, a assumir as formas e as cores de outros animais ou o aspecto da areia, das folhas, dos líquenes, das esponjas (o que os naturalistas ingleses denominam mimicry – mimetismo). É assim que o individuo se dissimula sob a universalidade do termo genérico “homem” ou no meio da “sociedade” ou ainda, se adapta e se assimila aos príncipes, ás castas, aos partidos, ás opiniões do seu tempo ou do seu meio: e a todas as nossas formas sutis de nos fazermos passar por felizes, reconhecidos, poderosos, amáveis encontraremos facilmente o equivalente animal. O sentido da verdade também que, no fundo, não é outra coisa senão o sentido da segurança, o homem o tem em comum com o animal: não queremos nos deixar enganar, nem perder-nos a nós próprios, escutamos com desconfiança os encorajamentos das nossas próprias paixões, dominamo-nos e ficamos desconfiados conosco mesmos; tudo isso também o animal faz; nele também o domínio de si provém do sentido da realidade (da inteligência). De igual modo, o animal observa os efeitos que produz na imaginação dos outros animais, prende a olhar-se através disso, a considerar-se “objetivamente”, a possuir, em certa medida, o conhecimento de si. O animal julga movimentos dos seus adversários e de seus amigos, aprende de cor suas particularidades: contra os representantes de certas espécies, renuncia definitivamente ao combate, tal como adivinha à simples aproximação as intenções pacificas e conciliadoras de muitas espécies de animais. As origens da justiça e da inteligência, da ponderação, da valentia – numa palavra, de tudo o que designamos de virtudes socráticas – são animais: essas virtudes são uma conseqüência dos instintos que ensinam a procurar o alimento e a escapar do inimigo. Se considerarmos, pois, que mesmo o homem superior não fez outra coisa que elevar-se e se aperfeiçoar na qualidade do seu alimento e na idéia do que considera como oposto à sua natureza, nada poderá impedir de qualificar de animal o fenômeno moral por inteiro.

‘Friedrich Nietzsche’

Nenhum comentário: